Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
16/04/2010 | 01/01/1970 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
100 minuto(s) |
Dirigido por Laís Bodanzky. Com: Francisco Miguez, Fiuk, Gabriela Rocha, Zé Carlos Machado, Denise Fraga, Paulo Vilhena, Caio Blat, Gustavo Machado, Gabriel Illanes.
Ao sair do cinema após assistir a As Melhores Coisas do Mundo, terceiro longa-metragem da cineasta Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças), eu me sentia simultaneamente envelhecido e rejuvenescido: por um lado, contrastava minha percepção do mundo àquela dos jovens personagens retratados pelo filme, que, como o próprio título indica, ainda se encontram naquele período mágico em que tudo é encantador, a vida é repleta de promessas e as coisas mais prosaicas assumem contornos de presentes divinos; por outro, o simples fato de ter passado duas horas na companhia daqueles garotos me fez relembrar que, às vezes, abandonar o ceticismo e mesmo o pessimismo construídos pela idade adulta é mais do que fundamental – é um exercício de sobrevivência.
Escrito por Luiz Bolognesi, parceiro habitual (e marido) de Bodanzky, o roteiro é uma adaptação da série de livros “Mano” concebida por Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto e com a qual, confesso, não sou familiarizado. Focando no “Mano” do título (apelido para o “Hermano” vivido pelo estreante Francisco Miguez), o longa acompanha os jovens alunos de uma escola secundária de São Paulo que, filhotes da classe média, se preocupam principalmente em experimentar as primeiras tentações do mundo adulto: bebidas, entorpecentes e, claro, o sexo. Mas se estas descobertas vêm atreladas aos percalços da adolescência moderna, como bullying e fofocas cruéis espalhadas via Internet, surgem também beneficiadas por uma sociedade bem mais liberal (embora longe do ideal) na qual pais e filhos, mais do que “senhores” e “moleques”, mantêm relações bem mais próximas e confessionais do que no passado.
Longe de ser um filme guiado por uma trama específica, As Melhores Coisas do Mundo emprega a história como um mero trampolim para que possa estudar de forma honesta e sensível uma geração constantemente mergulhada em seus iPods, celulares e câmeras digitais, mas que, de certa maneira, talvez seja a mais ingênua produzida pelo planeta desde a década de 60. Buscando autenticidade absoluta no linguajar, na “filosofia” e nos modos de seus jovens personagens (algo que Jorge Furtado também alcançou em seu injustamente pouco visto Houve Uma Vez Dois Verões), Bodanzky alcança momentos de imensa sensibilidade como, por exemplo, ao trazer Mano tentando discutir sexo com seu irmão mais velho (Fiuk) enquanto ambos riem timidamente da natureza da própria conversa.
Cenas como esta, aliás, são uma constante no filme: com um elenco dominado por estreantes que contaram com a preparação do magnífico Sérgio Penna (Batismo de Sangue, Lula – O Filho do Brasil, Antônia), As Melhores Coisas do Mundo é povoado por uma galeria de rostos impossivelmente jovens e sem estragos provocados pelo tempo (embora as espinhas se façam presentes, claro), mas que, ainda assim, encarnam seus personagens com total entrega e imenso talento. Além disso, o roteiro de Bolognesi não comete o erro tão comum de construir diálogos que, buscando soar elegantes ou bem esculpidos, soariam artificiais saindo da boca daqueles atores – e, assim, quando um adolescente tenta seduzir uma colega, não consegue dizer mais do que um atrapalhado “Seus olhos... tipo, sei lá... seu jeito de falar... você é uma mina de conteúdo”. Não é Shakespeare, mas é inquestionavelmente honesto.
Da mesma maneira, é difícil conter um sorriso ao testemunhar a preocupação da mãe vivida por Denise Fraga, que, ao buscar o filho em uma festa, imediatamente questiona se este bebeu e afirma estar sentindo cheiro de cigarro – algo que, se incomoda Mano, acaba empalidecendo a partir do instante em que ela decide falar sobre sexo com o filho, que imediatamente exibe uma expressão de profundo sofrimento, como se submetido a uma tortura indizível. Francisco Miguez, aliás, surge como uma das grandes revelações do projeto, jamais se intimidando diante do desafio de assumir o papel de protagonista embora jamais houvesse atuado – e acaba carregando o filme com facilidade e carisma. Enquanto isso, Caio Blat e Paulo Vilhena, atores também jovens, curiosamente assumem papéis de figuras de autoridade, o que não deixa de se revelar uma escolha interessante: como o professor de violão de Mano, Vilhena compõe um músico tranqüilo que, ao mesmo tempo, sabe ser crítico quando necessário (ao perceber que o aluno não havia praticado em casa, ele diz: “Isso, vamos queimar a grana da família!”) – e é fácil perceber por que Mano passa a confiar nos conselhos do sujeito. Já Blat, como um professor de Física, surge como um mestre capaz de inspirar os alunos sem apelar para a autoridade, conseguindo também sugerir detalhes sobre o passado do personagem sem ter muito tempo de tela (reparem, por exemplo, como ele se mostra decepcionado ao ouvir a diretora da escola repreendendo-o por se aproximar dos alunos, numa sugestão clara de que, quando aluno da instituição, ele próprio se tornou próximo daquela profissional).
Mas As Melhores Coisas do Mundo não ignora as gerações anteriores: retratando o pai de Mano, Zé Carlos Machado vive um sujeito que, chegando à meia-idade, passa a temer a própria acomodação, decidindo abraçar a própria natureza antes que se torne velho demais para viver as experiências que deseja conhecer – e, neste sentido, o filme formaria uma excelente sessão dupla com o trabalho anterior de Bodanzky, o belo Chega de Saudade, que se contrapõe em tom e geração a este trabalho.
Aliás, Bodanzky vem se revelando uma diretora cada vez mais segura, demonstrando, aqui, inteligência ao conduzir a narrativa visualmente: se nas seqüências que se passam na escola ela adota planos mais abertos que insiram os personagens ao mundo que freqüentam, imprimindo energia ao filme, em outros momentos mais pontuais ela não hesita em investir em closes que expõem os sentimentos dos personagens, como na conversa entre Denise Fraga (sempre ótima) e Miguez no carro ou no abraço emocionado entre este último e seu irmão (vivido, diga-se de passagem, com grande intensidade por Fiuk). Além disso, a cineasta é hábil ao evocar a introspecção de Mano em duas seqüências envolvendo time lapse ou ao retratar o choque e assombro do garoto ao perceber que toda a escola descobriu um segredo sobre sua família, quando então o som forte das batidas de seu coração parecem deixá-lo surdo para o mundo à sua volta.
Já a direção de arte de Cássio Amarante merece aplausos por contribuir de forma orgânica para a narrativa, oferecendo insights sutis sobre as personalidades de seus personagens sem chamar a atenção para si mesma, como ao conceber o apartamento inicialmente amontoado e desconfortável do pai de Mano (um homem sem prática de viver sozinho) e que gradualmente se torna aconchegante e caloroso, refletindo seu conforto cada vez maior com sua nova realidade e, claro, a natureza de seu novo relacionamento. Da mesma forma, se o quarto do estudante vivido por Fiuk ressalta sua personalidade cada vez mais sombria e entregue à depressão, o apartamento do professor de Paulo Vilhena é agradavelmente tomado pelo mundo da música, dos instrumentos e discos espalhados ao cartaz de Louis Armstrong que surge ao fundo. Enquanto isso, a montagem de Daniel Rezende é eficiente ao conferir ritmo e coesão a uma narrativa que poderia soar dispersa e episódica – algo que pode ser ilustrado pelo belo raccord no instante em que Mano toca o interfone externo do prédio de Vilhena apenas para, num corte seco, já surgir diante da porta do apartamento deste.
Com um ou outro tropeço eventual (particularmente, a marcha militar que acompanha a blogueira fofoqueira me pareceu um esforço de humor exagerado e desnecessário, bem como a narração em off de Mano), As Melhores Coisas do Mundo é um filme divertido, envolvente e sensível que constrói o arco dramático de seu protagonista com inteligência: é interessante, por exemplo, perceber como Mano insiste em aprender “Something”, dos Beatles, a fim de impressionar uma garota apenas para, eventualmente, surgir cantando a música com tranqüilidade e descontração ao lado dos amigos, ilustrando seu próprio amadurecimento.
E é aí que o filme de Bodanzky conquista de fato: depois de nos apresentar àquele universo e ao seu jovem e imaturo herói, que não hesita em fazer uma caricatura cruel e preconceituosa de uma colega de sala ou em condenar um professor sem ter razões para isso, o filme ilustra com talento o amadurecimento daquele menino que, ao final da projeção, pode ainda estar longe de ser adulto, mas que inquestionavelmente se encontra a caminho de se tornar um belo ser humano.
15 de Abril de 2010
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