Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
17/09/2010 | 01/01/1970 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Paul W.S. Anderson. Com: Milla Jovovich, Ali Larter, Kim Coates, Shawn Roberts, Sergio Peris-Mencheta, Boris Kodjoe, Spencer Locke, Norman Yeung, Kacey Barnfield, Wentworth Miller, Sienna Guillory.
A linguagem 3D ainda vive um período de profunda imaturidade – algo natural, considerando seu pouco tempo de vida (não estou levando em conta, claro, o velho e tosco 3D nascido na década de 50). Como resultado, poucos cineastas têm conseguido fazer algo de relevante ou de realmente orgânico com a técnica; na maioria das vezes, os filmes usam uma lógica bidimensional mesmo quando já são rodados com câmeras 3D - e ignoremos os longas rodados em duas dimensões e apenas convertidos posteriormente, já que não foram nem mesmo pensados no novo formato, adotando-o apenas para arrancar mais algum dinheiro dos inocentes espectadores.
Aliás, nem mesmo James Cameron avançou tanto assim com seu Avatar: sim, o filme é tecnicamente impressionante, mas seu 3D merece mais créditos pela escala do que pela utilização, já que constantemente recai nos velhos vícios do rack focus (mudança abrupta de foco) e da pequena profundidade de campo, que, se apropriados ao 2D, simplesmente traem todo o conceito da tridimensionalidade, que não precisa destes recursos para levar o público a compreender a dimensão ou a distância dos objetos e personagens no quadro. Isto explica, por exemplo, por que tantos espectadores reclamaram de náuseas ou dor de cabeça ao saírem de Avatar: embora estivessem enxergando um mundo em 3D, este se comportava de maneira inexplicável ao usar profundidade de campo reduzida ou alterações no foco, confundindo nossos pobres cérebros que, pela primeira vez na vida, estavam sendo confrontados com uma lógica conflitante.
Assim, foi com relativa surpresa que constatei que o fraquíssimo diretor Paul W.S. Anderson conseguiu, neste Resident Evil 4, realizar um dos melhores trabalhos em 3D que já pude testemunhar agora – e me refiro apenas à técnica, não à narrativa, que é previsivelmente pedestre (mas discutirei isso mais adiante). Compreendendo que a profundidade de campo grande, em que praticamente todo o ambiente está nítido, é algo que faz parte da experiência em três dimensões, o cineasta segue esta estratégia visual durante a maior parte da projeção, estabelecendo já um forte impacto na seqüência inicial, em que vemos um mar de guarda-chuvas (que, claro, refletem o tema principal do filme: a luta contra a corporação Umbrella), e mantendo esta lógica em cenas como aquelas em que vemos Los Angeles destruída, um avião sobrevoando uma desolada paisagem ou a heroína em meio a dezenas de aviões. Sim, Anderson exagera em sua obsessão por fluidos respingando em câmera lenta, mas, de modo geral, sua insistência em planos abertos e com grande profundidade de campo acabam contribuindo para tornar o longa uma experiência realmente admirável no que diz respeito ao uso do 3D.
O que, claro, não transforma Resident Evil 4 em um filme bom. Ridículo desde seus momentos iniciais, o roteiro do próprio Paul W.S. Anderson já nos atira em uma seqüência de ação ilógica que nos apresenta ao vilão – que, claro, surge devidamente vestido de preto e usando seus irremovíveis óculos escuros, não hesitando em matar um capanga quando este o desobedece. Determinado a capturar a mocinha Alice (Jovovich), ele não fraqueja nem mesmo ao constatar que seus inúmeros empregados estão sendo massacrados pela moça (e suas clones descobertas ao final da terceira parte) – que, por sua vez, não se revela muito brilhante: afinal, se é capaz de explodir dezenas de bandidos ao dilatar as pupilas (não perguntem), por que ela já não faz isso logo ao invadir o prédio, preferindo, em vez disso, gastar preciosos minutos combatendo-os com tiros, punhaladas, socos e chutes?
Mas não é só isso. Aparentemente invejando os irmãos Wachowski, Anderson basicamente se esquece de que está comandando a franquia Resident Evil e adota uma lógica mais apropriada à trilogia Matrix: seus personagens desafiam a gravidade, são indestrutíveis, desviam de balas e, vez por outra, o cineasta chega mesmo a adotar recursos como o bullet time – além de permitir que o ator Shawn Roberts encarne o vilão Wesker com uma caracterização claramente inspirada no agente Smith de Hugh Weaving (o que inclui até mesmo a inflexão de suas falas). Enquanto isso, Alice se revela uma autêntica Neo, chegando a escapar sem qualquer ferimento de uma queda de avião cuja violência deveria tê-la transformado em carne moída carbonizada.
E reparem que estou falando apenas dos primeiros 20 minutos de projeção.
Infelizmente, porém, Resident Evil 4 tem quase 100 minutos de duração e, assim, somos presenteados com animações primárias que retratam a ação do tal vírus-T (que, acreditem ou não, emite uma espécie de grunhido ao atacar células normais), com personagens femininas que surgem sempre maquiadas mesmo num mundo pós-apocalíptico e com vários instantes divertidos nos quais revólveres, seringas e adagas surgem instantaneamente nas mãos dos heróis e dos vilões quando necessários. Porém, para cada tropeço inconseqüente, que apenas provoca o riso (depois de dois personagens serem aprisionados em um tubo criogênico, suas fotos já surgem magicamente catalogadas no sistema), há vários outros que denotam de forma irritante o descaso do cineasta – como o instante em que o avião de Alice derruba uma pequena murada e as hélices, que deveriam ter sido destruídas (ou seriamente amassadas), não sofrem qualquer dano, já que o aparelho certamente teria que ser usado mais tarde pelo roteiro. Além disso, não há como justificar diálogos como “Ingerindo você, adquiro controle.” – e que, diga-se de passagem, inspira Alice a responder: “É um raciocínio inteligente.”, provando que a moça é tão estúpida quanto o filme no qual se encontra.
Adotando uma montagem que usa o fade praticamente como pontuação, Paul W.S. Anderson ainda assim consegue criar uma ou outra boa seqüência de ação – e o confronto no telhado e a luta no banheiro são bons exemplo disso. Já em outros instantes, peca por não perceber o absurdo de certas situações concebidas, como no instante em que três personagens constatam que estão sendo atraídos para uma armadilha e, mesmo assim, persistem no trajeto como ratos de laboratório. E se Milla Jovovich cresceu bastante como atriz desde (cof-cof) De Volta à Lagoa Azul, isto mal pode ser percebido em sua insistência em sussurrar os diálogos com uma voz rouca e entonação monótona – por mais que demonstre vigor nas cenas que exigem maior empenho físico.
Encerrando sua narrativa com mais um gancho para outra continuação, Resident Evil 4 comprova apenas que a franquia é mais resistente que os zumbis que retrata, já que não apenas insiste em permanecer viva como ainda finge não perceber que vem contando basicamente a mesma história em todos os seus capítulos. A diferença é que, desta vez, o surpreendente 3D acaba tornando o filme mais relevante que seus antecessores – mesmo que Paul W.S. tenha alcançado este pequeno sucesso por acidente.
E conhecendo sua filmografia, “acidente” é a única explicação plausível.
Observação: Há uma cena adicional durante os créditos finais e uma fala boba ao final destes.
17 de Setembro de 2010