Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
25/12/1978 | 14/12/1978 | 5 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
143 minuto(s) |
Dirigido por Richard Donner. Com: Christopher Reeve, Marlon Brando, Gene Hackman, Margot Kidder, Ned Beatty, Jackie Cooper, Glenn Ford, Jeff East, Valerie Perrine, Maria Schell, Phyllis Thaxter, Marc McClure, Sarah Douglas, Terence Stamp, Jack O’Halloran.
Há uma razão clara por trás do fracasso narrativo de Batman & Robin, uma das maiores porcarias já levadas para o Cinema a partir de personagens criados para os quadrinhos: seu diretor, Joel Schumacher, obviamente não levava o material a sério e, assim, transformou a adaptação em uma desculpa para que o espectador risse, ao seu lado, daquelas situações implausíveis e daquelas figuras tão absurdas. Se tivesse estudado um pouco a História do gênero, Schumacher certamente teria percebido que as adaptações mais satisfatórias dos quadrinhos são aquelas que demonstram respeito incondicional por sua origem: podemos até rir de Peter Parker, Clark Kent ou Wolverine, mas é fundamental que estes riam primeiro de si mesmos. Caso contrário, deixariam de ser personagens dramáticos com senso de humor e se tornariam meros palhaços. Por mais bem-humorado que seja, Parker carrega o peso de acreditar que sua inação provocou a morte do tio. Por mais invulnerável que pareça, Kent sente-se isolado do restante da Humanidade em função de seus poderes alienígenas. E Wolverine, com sua irreverência diante da autoridade, jamais parece se sentir totalmente à vontade ao lado de outras pessoas, demonstrando uma tendência à solidão que combina com sua busca por seu passado misterioso.
Se X-Men 1, 2 e 3, O Homem-Aranha (e sua continuação) e Hulk funcionam tão bem como Cinema é porque não apenas honram suas raízes, mas também compreendem que os super-heróis, com seus poderes fantásticos e dilemas grandiosos, são personagens com grande potencial dramático – e, se tratados como caricaturas, inevitavelmente viram apenas figuras em uniformes risíveis (com ou sem mamilos). Neste sentido, estas produções certamente aprenderam muito com Superman – O Filme, que trouxe, para o cinema contemporâneo, a realidade fantasiosa dos heróis dos quadrinhos depois de décadas de abordagens camp ou de “filme B” para personagens como Flash Gordon, Batman e o próprio Superman. Não é à toa que a introdução da história traz uma cortina se abrindo para revelar um velho gibi; é a forma utilizada pelo cineasta Richard Donner para estabelecer que estamos prestes a assistir a um espetáculo grandioso – e que esta grandiosidade deve muito à magnitude oferecida pelos quadrinhos.
Resultado do trabalho de cinco roteiristas (entre eles, Mario Puzo, autor de O Poderoso Chefão), Superman é um filme que se concentra na origem de seu herói: quando finalmente o vemos salvar Lois Lane de uma queda fatal, quase uma hora de projeção já foi gasta para estabelecer sua partida apressada de Krypton (e a posição honrosa ocupada por seu pai, Jor-El, no planeta), sua chegada à Terra e sua adoção pelo casal Kent, a morte de seu pai adotivo e, é claro, os 12 anos que passa na Fortaleza da Solidão absorvendo os ensinamentos de Jor-El através de cristais enviados por este antes da destruição de Krypton. A partir daí, o espectador torna-se capaz de compreender o sentimento de solidão de Clark/Superman, que, além de ter que esconder de todos sua verdadeira natureza, ainda deve lidar com a impossibilidade de se “encaixar”, de se sentir como parte de um todo – e esta sua frustração pode ser observada durante a entrevista feita por Lois, quando esta classifica seus poderes como “estranhos”, deixando-o claramente incomodado. Além disso, o estabelecimento de Jor-El e Jonathan Kent como duas forças fundamentais na formação de Clark irá desempenhar um papel importante no instante em que o personagem deve finalmente tomar uma decisão quanto ao próprio destino: ser um observador, evitando ao máximo interferir no que ocorre (o que definitivamente o converterá em um ser estranho ao planeta), ou abraçar seus poderes e seu amor pela Humanidade e usar seus poderes de forma ativa?
Destacando, assim, aspectos de sacrifício e quase divindade na trajetória de Clark Kent, o roteiro não ignora o aspecto simbólico, bíblico, do personagem criado pela dupla Joe Shuster e Jerry Siegel em 1938: como o próprio Cristo, Kent foi enviado por seu pai para salvar os humanos – e, portanto, o editor do Planeta Diário, Perry White, não está simplesmente brincando quando explica para seus repórteres que uma entrevista com Superman seria a “mais importante desde que Deus falou com Moisés”. Aliás, o bom humor desta fala não é um exemplo isolado no roteiro, que é recheado de momentos extremamente divertidos, como a piada cuja tirada final é o som de uma garotinha levando um tapa da mãe por “mentir” ao dizer ter visto um homem voador (uma gag como esta jamais seria permitida no Cinema politicamente correto dos dias de hoje).
A comédia, vale dizer, representa a alma de praticamente todas as cenas envolvendo o vilão do filme, o megalomaníaco Lex Luthor – e, apesar de se julgar a criatura mais brilhante do planeta, seus planos revelam um pragmatismo curioso: em vez de sonhar em dominar o mundo ou algo no gênero, ele quer “apenas” destruir a maior parte da Califórnia. O objetivo? Aumentar o valor das terras que comprou ao longo dos anos. Cercado de incompetentes (vividos de forma divertida por Ned Beatty e pela voluptuosa Valerie Perrine, cuja personagem inspira o vilão a batizar um acidente geográfico em suas terras de “Picos Teschmaker”), Luthor jamais soa ameaçador, o que talvez seja o único problema grave do filme – mas isto é compensado pela leveza que a performance inspirada de Gene Hackman traz a uma produção que, afinal de contas, quer divertir, e não provocar tensão no espectador. Enquanto isso, Margot Kidder cria uma Lois Lane tagarela e dominadora que nada deve à performance clássica de Jean Arthur
O que nos traz a Christopher Reeve e ao magnífico trabalho que este faz como o personagem-título. Naturalmente subestimado por interpretar um ícone que, além de voar, veste-se de maneira ridícula (Botas vermelha? Sunga sobre calça de lycra?), o ator traz imensa dignidade ao herói justamente por mostrar-se confortável ao executar todas aquelas ações e mesmo ao desfilar com aquelas roupas. Quando estica os braços para disparar em vôo, Reeve encara a tarefa com seriedade absoluta – e o simples fato de não cairmos no riso enquanto ele adota diversas poses ao voar, durante o plano em que a câmera faz várias manobras de 360 graus, é a prova definitiva de que sua concentração confere uma credibilidade impressionante ao personagem. Além disso, a composição de Clark Kent cria um contraponto convincente a Superman: ansioso, inseguro, encurvado e com uma leve gagueira, Kent é um grandalhão desajeitado que, com seu hábito de ajeitar constantemente os óculos, está na extremidade oposta da segurança projetada pelo Homem de Aço. Aliás, a diferenciação entre Kent e Kal-El (leia-se: Superman) é tão convincente que, quando Perry White pergunta (retoricamente) qual é o time favorito do herói e Kent abre a boca para responder, rimos do impulso do “repórter”, que quase arruína o próprio disfarce. Ora, se acreditamos que ele seria capaz de fazer uma bobagem dessas é porque nos convencemos de que Kent é, de fato, um indivíduo atrapalhado, e não o brilhante Superman – ou seja: a piada só funciona porque Christopher Reeve nos convence de que Clark Kent e Superman são pessoas diferentes (mesmo que, conscientemente, saibamos que este não é o caso).
Parte da responsabilidade por esta impressão deve-se, também, à direção de Richard Donner, que trata a dupla identidade do herói sempre com seriedade, em vez de rir da “cegueira” dos demais personagens, que se deixam enganar por um penteado diferente e pelos imensos óculos de Clark. Da mesma forma, o cineasta é inteligente ao retratar, em um plano sem cortes, a partida de Superman da cobertura de Lois e a “chegada”, segundos depois, de Kent – o que demonstra de forma inequívoca a rapidez da troca de identidades. Além disso, Donner conduz as seqüências de ação com segurança e energia, dando-se ao luxo até mesmo de brincar com as expectativas do público ao enquadrar, em plano-detalhe, uma cabine telefônica no instante em que o protagonista corre para se transformar em Superman – sabendo que os fãs do personagem esperavam a imagem icônica da cabine, o diretor afasta sua câmera para revelar que se trata, na realidade, de um “orelhão”, impossibilitando sua utilização para a clássica troca de roupas. E se a montagem de Stuart Baird já se mostra eficiente em seu dinamismo durante toda a projeção, acaba alcançando o brilhantismo na belíssima transição entre as participações de Jeff East, que vive Kent na adolescência, e Reeve, que encarna o personagem já adulto: a fim de ilustrar o amadurecimento do herói, a passagem é intermediada por um movimento através de uma máscara congelada de Jor-El, ilustrando a influência deste na personalidade do “novo” Clark Kent.
Enriquecido por um design de produção espetacular, que impressiona desde o mundo de cristal de Krypton (com seus figurinos de brilho intenso) até a fortaleza subterrânea de Lex Luthor, Superman – O Filme traz ainda a belíssima fotografia do veterano Geoffrey Unsworth, que, em seu último trabalho no Cinema, estabelece visuais marcantes para cada passagem da história, começando pelo branco frio e impessoal de Krypton (que também ressalta seu desenvolvimento tecnológico) até chegar ao cinza e às cores urbanas de Metropolis, passando, é claro, pelo clima bucólico de Smallville, com suas paisagens abertas e seu céu sempre claro (um de meus planos favoritos do longa é aquele em que vemos, através da porta aberta do celeiro, o moinho de vento ao lado da casa dos Kent). E se os efeitos visuais hoje soam datados, com seu óbvio trabalho com miniaturas e a projeção de fundo durante as seqüências de vôo, a trilha sonora do mestre John Williams permanece icônica e incrivelmente evocativa, revelando-se uma das composições mais inspiradas de uma carreira repleta de temas inesquecíveis.
Mesmo manifestando seu propósito de defender “o ideal americano” (o que, confesso, me provoca arrepios – imaginem o herói no Iraque, ajudando a “espalhar a democracia”), Superman deixou de ser apenas um ícone dos Estados Unidos para se tornar uma figura emblemática do Cinema moderno, seja este originado ou não em Hollywood (na realidade, o filme é uma produção britânica). Esforço artístico bem-sucedido, o longa é Entretenimento com “e” maiúsculo e vem envelhecendo bem justamente por compreender que, mais do que respeitar o espectador (e respeita), é fundamental respeitar seu próprio universo – por mais ilógico e absurdo que este possa parecer a princípio.
10 de Julho de 2006
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