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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
19/11/2020 13/03/2020 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
101 minuto(s)

Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre
Never Rarely Sometimes Always

Dirigido e roteirizado por Eliza Hittman. Com: Sidney Flanigan, Talia Ryder, Sharon Van Etten, Ryan Eggold, Mia Dillon, Kelly Chapman, Théodore Pellerin, Sipiwe Moyo.

Autumn tem 17 anos de idade, é uma jovem introspectiva com uma família disfuncional e acaba de descobrir que está grávida. Mantendo a expressão impassível que, percebemos, se tornou um escudo ao impedir que seus tumultos internos a tornem mais vulnerável diante daqueles que a cercam, ela retorna para casa, toma dezenas de comprimidos de vitaminas com potencial abortivo e, diante do espelho, castiga o abdômen com uma série de socos que a deixarão coberta de hematomas, mas ainda com um feto no útero. Sem ter outras opções diante das leis da Pensilvânia, que impedem que uma menor de idade aborte sem autorização dos pais, ela pega um ônibus ao lado da prima Skylar e viaja para Nova York para dar fim à gravidez.


Remetendo à obra-prima romena 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, este Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre, escrito e dirigido por Eliza Hittman, deve muito em estilo à Nova Onda do cinema daquele país ao adotar uma abordagem narrativa seca e direta ao acompanhar três dias nas vidas de suas personagens, os detalhes de sua jornada e dos procedimentos envolvidos - médicos e burocráticos. Louvável ao sugerir motivações sem sentir a necessidade de mastigá-las para o espectador, o filme indica, por exemplo, uma mentira intencional por parte da clínica que informa Autumn de sua gravidez e que, ao comunicar à garota que esta tem dez semanas de duração (em vez de dezoito, como veremos logo depois), tenta enganá-la para que não termine a gestação enquanto a lei permite por acreditar erroneamente ter mais tempo do que acredita para tomar a decisão.

A discussão sobre o direito ao aborto, por sinal, é algo que a cineasta promove mais através do subtexto do que do texto em si, evitando retratar os cristãos que protestam diante da clínica de aborto como caricaturas mesmo deixando evidente como tentam constranger e assustar as mulheres que entram no local – um comportamento que se contrapõe radicalmente aos modos gentis e solícitos da equipe da instituição. Do mesmo modo, seu feminismo é defendido por gestos em vez de discursos, apresentando-se através do silêncio confortável entre Autumn e Skylar ou de um plano-detalhe belíssimo que traz a primeira segurando a mão da segunda enquanto esta é beijada por um rapaz que usou um subterfúgio para isto – e a imagem daquelas mãos ficaria perfeitamente confortável em um pôster debaixo da palavra “sororidade”. Contribuem para isto as performances impecáveis de Talia Ryder, como Skylar, e principalmente a de Sidney Flanigan como Autumn, que protagoniza uma das melhores cenas entre os filmes exibidos na Berlinale de 2020: aquela que dá título ao projeto e na qual permite que o público finalmente compreenda toda a triste dimensão de sua situação. (E embora esta seja a estreia da atriz no Cinema, já posso antecipar uma carreira brilhante.)

Com uma equipe quase toda composta por mulheres, Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre é uma obra que enxerga a figura masculina como uma ameaça constante, seja de modo ostensivo (como o sujeito que se expõe no metrô ou o patrão das garotas) ou sutil – e aqui é importante analisar de perto as ações do rapaz que conhecem no ônibus (Pellerin) e ao qual elas recorrem para conseguir dinheiro emprestado: se alguém perguntasse a este (ou a inúmeros indivíduos como ele) se os beijos que deu em Skylar foram uma forma de abuso, estou convicto de que negaria (acreditando na própria negativa), já que, a rigor, não a forçou a nada. A verdade, porém, é mais complexa: ao receber o pedido de ajuda, o sujeito poderia ter respondido “sim” ou “não”; em vez disso, porém, adota uma postura de cara legal ao mesmo tempo em que usa este pequeno poder para levar Skylar a se sentir quase obrigada a retribuir seus avanços. A definição de abuso, portanto – mesmo que ele não veja isso.

Soberbo em sua capacidade de levar o espectador a sentir a aflição de Autumn e de tantas garotas em sua posição, este é um filme importante como representação feminina e como um estímulo essencial a um exercício de empatia por parte do público masculino, que, espero, sairá da projeção com duas certezas: que toda mulher deveria ter controle total sobre o próprio corpo e que, na discussão sobre o aborto, os homens deveriam ficar calados.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Berlim 2020.

27 de Fevereiro de 2020

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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