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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
16/02/2015 17/02/2015 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
AMC/Netflix
Duração do filme
48 minuto(s)

Better Call Saul - S01E03: Nacho
Better Call Saul - 1x03: Nacho

Dirigido por Terry McDonough. Roteiro de Thomas Schnauz. Com: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Michael McKean, Julie Ann Emery, Jeremy Shamos, Peter Diseth, Dorian Missick, Vincent Laresca.

Para alguém tão confiante em seu próprio poder de persuasão, Jimmy McGill experimenta o pânico com frequência surpreendente. Isto, claro, diz menos sobre suas habilidades retóricas e mais – muito mais – sobre o tipo de indivíduo com o qual se tornou forçado a conviver depois que seus comparsas skatistas cometeram o grave erro de tentar extorquir a avó de um chefe de cartel. Se enganar bêbados em um bar ou mesmo advogados nos corredores do fórum é algo que Jimmy consegue com facilidade, lidar com homens violentos acostumados a resolver diferenças usando armas é um desafio bem mais delicado – e não é à toa que aqui ele se vê em pânico depois de ser ameaçado por Nacho Vargas (Mando), que, além de dar título ao episódio, demonstra que, mesmo exibindo mais racionalidade que Tuco Salamanca, cruzar seu caminho não é uma boa ideia.


Dirigido pelo mesmo Terry McDonough que havia comandado o episódio de Breaking Bad no qual Saul Goodman apareceu pela primeira vez (e que era apropriadamente intitulado “Better Call Saul”), “Nacho” marca também o primeiro roteiro de Thomas Schnauz escrito para esta prequel – uma função que ele exerceria outra dúzia de vezes (além de assinar a direção de sete episódios). Abrindo a narrativa com um plano que traz vários objetos pessoais de Chuck McGill (McKean) sendo depositados em uma caixa de ferro – o que estabelece uma bela rima com a ação similar de Jimmy ao visitar o irmão em sua casa -, este terceiro capítulo logo indica estar apresentando um flashback ao espectador, já que, além dos visuais rejuvenescidos dos dois irmãos, a composição do quadro salienta a presença de uma imensa luminária sobre Chuck, o que é reforçado pelo alto zunido acrescentado pelo editor de efeitos sonoros e que nos lembra de como no futuro o sujeito se tornaria “alérgico” ao eletromagnetismo e se trancaria em sua casa sempre escura. O que ele faz ali descobrimos logo a seguir, quando Jimmy (Odenkirk) entra algemado depois de ter sido detido ao praticar algo chamado “Chicago Sunroof” (cujo asqueroso significado descobriremos no último episódio da temporada) – e a postura brincalhona do caçula sugere sua incapacidade de compreender a seriedade de suas ações, já que chega a anunciar a própria entrada no aposento com um “Here´s Johnny!” que se tornou conhecido no talk show de outro Jimmy – Carson – e que ele repetirá nos momentos finais da narrativa em outro contexto.

Mas Jimmy não é apenas inapropriadamente irreverente; sua arrogância ao se julgar mais esperto do que todos que o cercam fica clara quando, percebendo que Chuck hesita em ajudá-lo, dá início a um discurso transparente em seu maniqueísmo e que o outro imediatamente enxerga pelo que é, levantando-se para partir e levando o irmão a expor o desespero real de sua situação. Aliás, a distância afetiva entre os dois homens encontra eco no belo quadro em que os vemos através da janela da sala enquanto são separados pela divisória no vidro.

Este, porém, não é o único exemplo do excepcional diálogo entre design de produção e fotografia: mais tarde, quando Jimmy liga durante a noite para Kim Wexler (Seehorn) a fim de tentar obter informações sobre o dinheiro desviado pelo casal Kettleman, seu conflito moral é representado pelas luzes que, diegeticamente, têm origem no neon do salão de beleza e no qual já vemos os tons frios e quentes batalhando por dominância. Temendo pela segurança dos Kettleman, mas receoso de despertar a fúria de Nacho, Jimmy inicia a conversa de modo inocente até desviar o assunto para os novos clientes da advogada, quando seu interesse sobre o dinheiro passa a dominar a discussão – e notem como, de modo similar, ele a princípio surge com a camisa branca até que a luz vermelha do neon passe a cobri-lo cada vez mais, culminando com um plano que ainda o mergulha em sombras.

Contudo, ao decidir fazer o certo e alertar o casal, o esquema de cores volta a refletir sua postura e, assim, o telefone público que utiliza traz apenas o azul habitual do objeto – o que se contrapõe ao instante no qual, ansioso por acreditar que Nacho sequestrou (e matou?) os Kettleman, Jimmy liga diretamente para o sujeito enquanto parte do quadro é tomada pelo vermelho de um extintor de incêndio (e, igualmente importante, as composições da fotografia passam a sufocar o protagonista ao trazê-lo espremido pelo telefone público e, logo depois, ao colocá-lo sentado no canto da tela). E mais: quando o advogado percebe pelo retrovisor do carro uma possível ameaça se aproximar, o sinal vermelho de pedestres condiciona o espectador a esperar o pior – e caso Jimmy conhecesse a estratégia visual de sua própria série, talvez se tranquilizasse um pouco ao reparar a camisa azul do sujeito (já a roupa de Nacho, como não poderia deixar de ser, vai na direção oposta).

É admirável, também, como o episódio planta no espectador a sensação de que algo ruim ocorreu com a família Kettleman através da música de Dave Porter, que emprega um órgão para conferir uma atmosfera fúnebre quando o desaparecimento é discutido, e pelo belo plano que traz o casal asfixiado em uma fresta da porta e rodeado pela escuridão. Aliás, Better Call Saul, assim como Breaking Bad, demonstra uma segurança notável em sua linguagem visual, que com frequência nos leva a sentir de modo visceral a situação dos personagens – e gosto particularmente do plano que traz Jimmy pequeno, no canto inferior direito do quadro, enquanto os fios dos postes surgem perpendiculares à faixa da rua e à direção da calçada, criando uma imagem opressiva e desconfortável. (E, claro, Jimmy surge pelo terceiro episódio consecutivo em planos que o colocam ao fundo e cercado por duas ou mais pessoas próximas da câmera, além de aparecer também pela segunda vez deitado em sua cama em um plano plongée em um momento e caído no chão em outro.) Finalmente, “Nacho” traz mais um plano em que a câmera é situada no interior de um objeto/espaço (algo que discuti ao escrever sobre o episódio anterior) – que, aqui, é o tanque com água e pepinos que logo dá lugar, em um ótimo raccord gráfico, à imagem exterior do recipiente, que traz padrões hexagonais similares aos legumes fatiados.

Contando com uma participação maior de Mike Ehrmantraut (um de meus personagens favoritos do universo de Breaking Bad), o episódio começa a explorar seu desprezo pela polícia ao enfocar sua reação diante dos policiais que tentam usá-lo para pressionar Jimmy – algo que Jonathan Banks evoca com uma daquelas expressões típicas do sujeito e que deveriam amedrontar qualquer um. Além disso, pela primeira vez em Better Call Saul constatamos sua surpreendente agilidade física e somos presenteados com uma daquelas frases ehrmantrautianas que o tornaram tão marcante: ao ouvir Jimmy dizer que não acredita que o outro o ajudou por “ter um coração dentro do corpo”, Mike responde sem hesitar que é o advogado quem “não terá um coração dentro do corpo em cinco segundos”.

Este senso de humor se mostra presente também na cena final, que traz mais uma referência cinematográfica quando Jimmy assusta os Kettleman dentro de sua barraca (vermelha, evidentemente) ao repetir o “Here´s Johnny!” do início do episódio, mas desta vez como homenagem a O Iluminado.

Para encerrar, é tocante notar como o personagem-titulo demonstra repugnância ao perceber como o promotor Bill Oakley confunde dois clientes, como se não se importasse com os destinos destes – especialmente quando lembramos que, no futuro, este tipo de confusão e descaso não será estranho no cotidiano de Saul Goodman.

 

Adendos que podem ser spoilers de Better Call Saul, Breaking Bad ou ambos:

Ao ser detido pela polícia e algemado, Jimmy reclama de seus joelhos, o que voltará a fazer na cena do deserto em seu primeiro episódio em Breaking Bad. A origem deste problema físico, por sua vez, será revelada apenas no desfecho de Better Call Saul.

Quando Jimmy tenta falar com Nacho pelo telefone público, é possível ver uma pichação no aparelho com as letras “JP” e que é idêntica ao grafite que veremos na casa de Jesse Pinkman na quarta temporada de Breaking Bad.

21 de Agosto de 2022

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Os textos sobre os demais episódios de Better Call Saul podem ser encontrados aqui.

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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