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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
24/02/2015 23/02/2015 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
AMC/Netflix
Duração do filme
47 minuto(s)

Better Call Saul - S01E04: Hero
Better Call Saul - 1x04: Nacho

Dirigido por Colin Bucksey. Roteiro de Gennifer Hutchison. Com: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Michael McKean, Julie Ann Emery, Jeremy Shamos, Eileen Fogarty, Dorian Missick, Mel Rodriguez.

A gente presume que os criminosos serão mais inteligentes do que são na verdade. É de partir o coração”, diz Jimmy McGill ao comentar o estratagema infantil criado pelo casal Kettleman para tentar alcançar um objetivo que nem mesmo eles sabiam explicar direito. O tom do sujeito, porém, não é de ironia ou acusação, mas realmente de lamento, como alguém que identifica uma oportunidade desperdiçada – e o subtexto da observação, claro, é que ele teria se saído muito melhor numa situação similar. E provavelmente teria, já que um dos propósitos de “Hero”, quarto episódio de Better Call Saul, é apresentar ao espectador um pouco do passado do protagonista como golpista.


Com uma introdução ambientada cerca de dez anos antes dos acontecimentos vistos no restante do episódio, o roteiro de Gennifer Hutchison (outra veterana de Breaking Bad) encontra Jimmy aplicando um golpe clássico em um sujeito que conheceu em um bar de Chicago, sendo auxiliado na tarefa pelo parceiro Marco Pasternak (Rodriguez) – e não é coincidência que a identidade falsa na carteira deste último o identifique como “Henry Gondorff”, já que este era justamente o nome do personagem de Paul Newman em um dos melhores filmes sobre trapaceiros profissionais já produzidos: Golpe de Mestre. Aliás, a habilidade com que Jimmy manipula seu alvo nesta cena é digna de aplausos, permitindo que a ganância da vítima a leve praticamente a forçá-lo a ficar com seu dinheiro. Ainda assim, mesmo que a dupla comemore o sucesso do golpe, mais uma vez a série se encarrega de deixar claro seu julgamento moral acerca de ambos através da fotografia escura que os transforma em duas silhuetas pequenas em um beco opressivo.


Mas não só: minutos antes, quando víramos Jimmy e seu alvo saindo do bar, o diretor Colin Bucksey se detém por algum tempo em um plano conjunto no qual o vermelho intenso saído de uma vitrine atrai a atenção do espectador – e, de modo similar, posteriormente veremos Jimmy e Marco em um ambiente igualmente carregado de sombras e com uma fonte de luz em tom quente projetada sobre o segundo enquanto primeiro usa um narguilé… vermelho. Esta cor também aparecerá na blusa de Betsy Kettleman (Emery), que deixa cada vez mais óbvio ser o cérebro (ou “cérebro”) do casal, já que o marido segue todas as suas orientações sem qualquer questionamento. Tampouco é coincidência, diga-se de passagem, que as roupas normalmente em tons frios de Kim Wexler (Seehorn) cedam lugar a uma blusa com detalhes alaranjados ao visitar Jimmy no meio da noite, sugerindo desde o princípio a influência negativa que este exerce sobre a advogada – algo que confirmaremos através do discreto sorriso da personagem diante de mais uma armação bem-sucedida do protagonista.

E já que mencionei os figurinos de Jennifer L. Bryan, é revelador observar como Jimmy, tentando emular o estilo de Howard Hamlin (Fabian), encomenda um terno com as cores normalmente adotadas por este, mas, ao verificar os demais itens da loja, se vê atraído por uma camisa de um laranja fortíssimo (e notem como a camisa que usava na introdução já trazia uma estampa espalhafatosa). Em outras palavras: mesmo que tente fazer opções “respeitáveis”, estas não refletem sua natureza real. Ao mesmo tempo, Jimmy demonstra capacidade de agir de maneira ética – e se no último episódio o neon vermelho do salão de beleza passava a cobri-lo, percebam como aqui, mesmo estando exatamente no mesmo ambiente, ele surge sob luz branca depois de ter se esforçado para proteger os Kettleman do que julgava ser uma ameaça mortal.

Isto não o impede, contudo, de aceitar um suborno do casal, mas seu desconforto diante da própria escolha pode ser constatado em sua tentativa de justificar para si mesmo o valor recebido, atribuindo-o a “serviços legais” que em teoria prestou à dupla. Dito isso, novamente os realizadores indicam sua reprovação ao revelarem os maços de dinheiro sob a luz dourada do abajur sobre a mesa do escritório e ao selecionarem uma versão instrumental de “Battle Hymn of the Republic” para acompanhar a cena, já que a letra deste hino patriota da guerra civil fala do julgamento divino – o que complementa com perfeição o que Jimmy diz depois de seu pequeno ato de autoilusão: “Sobre esta pedra edificarei minha igreja”, uma citação bíblica que aqui assume o caráter profético do caminho que este pequeno ato de corrupção iniciará.

A performance de Bob Odenkirk, por sinal, é impecável ao evocar não só sua culpa, mas a dor que sente diante da afirmação de Betsy Kettleman de que é “o tipo de advogado que pessoas culpadas contratam” – uma mágoa ressaltada pelo pequeno zoom no rosto do ator enquanto processa o que ouviu. Neste sentido, a declaração de guerra que faz a Howard ao produzir um outdoor gigantesco que soa quase como uma paródia da persona do rival e de seu escritório é resultado não apenas de um ressentimento pessoal, mas de sua frustração diante da própria situação, o que culmina em mais um momento brilhante de Odenkirk ao demonstrar o maior medo de Jimmy: a possível condenação de seu irmão mais velho ao descobrir seu plano para atrair a atenção da mídia (aliás, pelo visto Jimmy encara sua clientela como fonte para conseguir cúmplices para suas artimanhas, já que o homem que resgata no outdoor é o dublê Eddie J. Fernandez, que surgia brevemente em “Mijo” saindo de uma sala do tribunal com o protagonista).


Extraindo humor da imagem absurda do personagem-título usando roupas idênticas às de seu desafeto, “Hero” continua a demonstrar o apego dos realizadores às referências cinematográficas ao trazer Howard comentando estar se sentindo “na rotina do espelho com Groucho Marx” (ele está falando de Diabo a Quatro) e ao mostrar Jimmy usando o cabelo de Tony Curtis na cena do banheiro como indicativo do visual que quer adotar para irritar o sócio de seu irmão. Enquanto isso, a lógica visual de enfocar o (anti-?)herói entre duas ou mais pessoas aqui é invertida para ressaltar a inimizade entre Jimmy e Howard, que surgem apropriadamente separados por uma juíza. Além disso, o episódio é eficiente ao estabelecer a situação de Kim em seu escritório, revelando-a em um espaço pequeno e amontoado que se torna ainda mais claustrofóbico graças à composição do quadro (e gosto em especial do detalhe de seus tênis de corrida sob um dos móveis, indicando que a figura rígida, formal, é apenas um aspecto de sua personalidade).

E se o interesse de Jimmy pelo marketing se torna mais claro com a presença da equipe universitária de filmagens com a qual estabelece uma relação colaborativa/combativa, uma outra marca característica da própria série começa a ficar mais evidente em “Hero”: a presença de objetos específicos que, situados em primeiro plano, constroem simbolismos ou sugerem elementos da trama, como o aquário do salão de beleza (que discutirei mais à frente na série) e o jornal na calçada de Chuck que é escondido por Jimmy e acaba levando seu irmão a sair de casa para encontrar uma cópia. Esta passagem, vale dizer, expõe de maneira angustiante o sofrimento físico de Chuck (mesmo que causado por razões psicológicas) em função de sua “alergia” ao eletromagnetismo: combinando uma fotografia superexposta e planos em contraplongée que causam profundo incômodo, a cena ainda é pontuada por cortes secos que aprofundam o sentimento de desorientação, sendo complementados pela edição de efeitos sonoros que salienta o zumbido da eletricidade e o pânico do personagem. E o melhor: quando no final vemos Chuck voltando para casa numa corrida desajeitada, o ponto de vista passa a ser objetivo, refletindo a percepção de uma vizinha e gerando humor pelo contraste com a subjetividade ansiosa do pobre homem.

Mas o que teria levado o sujeito a um ato tão extremo? Apenas a obsessão por ler todos os jornais diários? Ou – o que soa bem mais provável – uma desconfiança nascida de anos de convivência com o irmão e que o tornaram mais preparado para perceber quase instintivamente quando este está mentindo? Sim, Chuck parece demonstrar alegria ao ouvir o caçula dizendo que sua clientela aumentou, mas há também em seu olhar (e é preciso parabenizar Michael McKean por isto) um elemento de ceticismo. Se Kim ainda acredita nos melhores impulsos de Jimmy (“Você é melhor do que isso”), Chuck já parece partir do pressuposto de que há algo duvidoso em tudo que este diz.

E o triste é que geralmente está certo ao pensar assim.

 

Adendos que podem ser spoilers de Better Call Saul, Breaking Bad ou ambos:

A sequência inicial do episódio traz dois elementos que se tornarão relevantes no fim desta primeira temporada: o anel de Marco, parceiro de Jimmy, e a música “Smoke in the Water”, que ele resmunga ao fingir estar bêbado e que o protagonista cantarolará no último plano daquele capítulo.

Durante a visita de Jimmy ao alfaiate, observe a camisa e a gravata expostas sobre a prateleira; ao que parece, um certo Gustavo Fring também é cliente do estabelecimento.

 

22 de Agosto de 2022

 

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Os textos sobre os demais episódios de Better Call Saul podem ser encontrados aqui.

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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