Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
03/03/2015 | 02/03/2015 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
AMC/Netflix | |||
Duração do filme | |||
45 minuto(s) |
Dirigido por Nicole Kassell. Roteiro de Bradley Paul. Com: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Michael McKean, Clea DuVall, Kerry Condon, Joe Berryman, Tim Baltz, Carol Herman.
Para uma série ambientada em um universo tão pessimista e povoada por tantos indivíduos de moral duvidosa, “Alpine Shepherd Boy” é um episódio surpreendentemente cheio de afeto, além de nos apresentar a um momento da vida de Jimmy McGill (Odenkirk) em que este percorre um caminho no qual poderia ter prosperado de modo digno caso não se rendesse aos seus piores impulsos. O Jimmy visto aqui é tão promissor como advogado (e ser humano) que até sua influência negativa sobre Kim Wexler (Seehorn) parece desaparecer por alguns instantes – e se no episódio passado ela surgia com uma blusa laranja, em tom quente, ao encontrá-lo no salão de beleza, aqui ela aparece com o azul frio que a série normalmente reserva para os justos, além de trazer os cabelos soltos e um largo sorriso no rosto. Aliás, mais do que isso: ela tem as unhas pintadas de azul por Jimmy. Pelo menos por enquanto, o futuro também sorri para o protagonista.
Menos tranquilo, por outro lado, encontra-se seu irmão Chuck (McKean) – e quando a narrativa tem início, saltamos de um dia azul e bonito (que os realizadores fazem questão de ressaltar com uma panorâmica que enfoca o verde ao redor) para a escuridão sufocante em que o sujeito vive. Prestes a sofrer uma crise de ansiedade em função da insistência dos policiais chamados pela vizinha que teve seu jornal roubado ao fim de “Hero”, ele finalmente entra em colapso quando a porta é arrombada e a luz do dia invade a casa com uma violência maior do que a dos dois oficiais, causando uma dor no personagem que é evocada mais uma vez pelos efeitos sonoros e a superexposição da fotografia. De forma similar, quando o vemos no hospital o diretor de fotografia Arthur Albert cria uma composição que contrapõe a normalidade iluminada do mundo externo às sombras angustiantes que o acompanham, ao passo que a preocupação de Jimmy com o bem-estar do irmão é reforçada através de seu reflexo triste e ansioso no vidro através do qual vemos Chuck transtornado e, claro, de seus esforços para acomodar a “alergia” do outro ao eletromagnetismo.
A atmosfera de afeto, contudo, é apenas uma das maneiras em que este episódio se destaca dos demais, já que aqui também testemunharemos uma das raras ocasiões em que Jimmy não consegue encontrar palavras para se expressar – o que ocorre quando um possível cliente (Berryman) lhe oferece 500 mil dólares em espécie para cuidar de um caso tão absurdo que chegamos a ver o advogado (graças à performance fabulosa de Odenkirk) lutando para manter a expressão neutra ao descobrir por que foi chamado ali. E se alguém tiver alguma dúvida sobre a opinião dos realizadores acerca do discurso feito pelo tal cliente, obviamente rico, contra o papel do governo e dos impostos que é forçado a pagar, basta notar como a ótima direção de arte o estabelece indiscutivelmente como um predador.
Mas este não é o único cliente “excêntrico” visitado pelo personagem-título, que é abordado também por um aspirante a inventor (Baltz) que lhe apresenta a uma “inovação” que resulta num dos planos mais divertidos entre aqueles típicos de Breaking Bad em que a câmera é situada no interior de algum objeto. No entanto, depois de seguidas frustrações, Jimmy por fim é contratado por uma senhorinha (Herman) para escrever seu testamento – e é uma revelação a atenção que ele confere às várias exigências da sra. Strauss, que essencialmente quer controlar a vida de vários parentes depois de sua morte ao estabelecer condições específicas para cada herdeiro (e foi um dos itens da herança, uma figurinha de porcelana, que deu nome ao episódio depois que o título original, “Jell-O”, foi barrado pela detentora da marca de gelatina. Aliás, é por esta razão que este é o único capítulo da primeira temporada a não ter um título composto por uma só palavra terminada em “o”).
Inspirado pelo relativo sucesso com a idosa (apesar dos baixos honorários) e pela sugestão de Kim de investir na advocacia concentrada em pacientes da terceira idade, Jimmy mais uma vez demonstra sua aptidão para assumir qualquer persona que seja conveniente em cada momento, chegando a estudar os modos e os figurinos do advogado ficcional Matlock - um dos mais celebrados da história da TV norte-americana ao lado do igualmente icônico Perry Mason – a fim de inspirar mais confiança em seus clientes, que já o tratam com clara simpatia (mas duvido que Chuck aprovaria o marketing de gosto duvidoso empregado pelo irmão para divulgar seus serviços). Dito isso, por mais convincente que seja a afabilidade de Jimmy no lar para idosos, os realizadores sugerem de maneira sutil as motivações reais do sujeito ao incluírem, como acompanhamento da cena, o tema musical composto por Anton Karas para O Terceiro Homem, no qual Orson Welles vivia o vigarista Harry Lime.
Dirigido por Nicole Kassell e escrito por Bradley Paul (a única participação de ambos na série), “Alpine Shepherd Boy” comprova a coesão da linguagem estabelecida por Vince Gilligan e Peter Gould ao incluir elementos visuais característicos da obra mesmo com a rotação de diretores – como podemos ver, por exemplo, no plano em que a câmera é acoplada ao carrinho de bebidas do asilo e que faz eco a dezenas de outros similares tanto em Better Call Saul quanto em Breaking Bad (e que buscarei apontar nos textos de cada episódio). Em contrapartida, Kassell cria um momento menos típico da série (mas não menos genial) na cena em que Jimmy espera pela sra. Strauss, que desce a escada lentamente em uma cadeira motorizada e percorre a sala com passos lentíssimos, testando a paciência do protagonista em um plano estático que dura mais de um minuto.
Enquanto isso, outro exemplo da unidade narrativa é, como já discuti algumas vezes, o uso de cores – e que aqui cumpre uma função específica importante em uma cena no hospital, quando Howard (Fabian) e Kim surgem usando roupas em tons quase idênticos que de certo modo excluem Jimmy ao sugerirem uma maior proximidade entre os outros dois, contribuindo para o ressentimento que o personagem de Odekirk sente em relação ao sócio do irmão. Por sorte, ainda que experimente o impulso de mudar de ideia acerca da possível internação de Chuck apenas para melindrar Howard, Jimmy permite que seu afeto fraternal guie sua decisão. Aliás, a admiração que nutre pelo irmão fica patente quando, ao discutir a situação com a médica interpretada por Clea DuVall, ele afirma que “Chuck é mais inteligente que você e eu juntos”, demonstrando também ter ficado comovido diante do tom de súplica, infantilizado, com que Chuck manifesta o desejo de voltar para casa. (E até mesmo a brincadeira que este faz sobre Jimmy roubar a carteira da psiquiatra soa mais leve que de costume, ressaltando a harmonia temporária entre os irmãos.) Para concluir, ao longo do episódio se torna cada vez mais evidente a necessidade do protagonista de ser aceito e respeitado pelo irmão – e também seu medo de ser o responsável por despertar os sintomas da “alergia” que este manifesta.
Alterando o foco da narrativa em seus últimos minutos para finalmente dedicar um pouco mais de atenção à trajetória de Mike (Banks), “Alpine Shepherd Boy” ilustra a vida solitária e silenciosa que este leva ao enfocá-lo em quadros abertos e dominados pela escuridão que o deixam pequeno e isolado, evocando uma forte melancolia ao reforçar sua rotina triste que inclui cuidar, mesmo à distância, do que restou de um tempo em que talvez fosse capaz de sentir um pouco menos de pesar.
Adendos que podem ser spoilers de Better Call Saul, Breaking Bad ou ambos:
Ao tentar convencer Jimmy a internar o irmão, a dra. Lara Cruz (DuVall) aponta como é perigoso que Chuck mantenha lampiões a querosene acesos dentro de casa, o que, infelizmente, se tornará profético ao final da terceira temporada. Aliás, esta é a primeira vez em que vemos Chuck fracassar em um “teste” relacionado à sua condição ao ser exposto sem saber a uma fonte de eletricidade (o que ocorrerá de modo ainda mais dramático na terceira temporada, em “Chicanery”.)
O plano em que vemos Jimmy e Kim através do aquário do salão de beleza é significativo não só por fazer com que este se destaque mais uma vez (ver o texto sobre o quarto episódio), mas ao criar uma ligação simbólica entre o objeto (e o peixinho-dourado ali contido) e a relação do casal – algo que se tornará mais evidente em temporadas futuras.
O lar de idosos em que Jimmy vai procurar novos clientes é a mesma Casa Tranquila na qual Hector Salamanca passará a viver a partir da quarta temporada e na qual ainda se encontrará em Breaking Bad. Do mesmo modo, o restaurante no qual Mike Ehrmantraut toma seu café da manhã é o mesmo no qual Jimmy se reuniu com o casal Kettleman em “Uno” e que Mike frequentava na série original (e no qual encontrou, por exemplo, a Lydia Rodarte-Quayle vivida por Laura Fraser.)
23 de Agosto de 2022
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Os textos sobre os demais episódios de Better Call Saul podem ser encontrados aqui.