Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
19/01/2023 | 13/07/2022 | 3 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
O2 Play/Mubi | |||
Duração do filme | |||
118 minuto(s) |
Dirigido por Ali Abbasi. Roteiro de Ali Abbasi e Afshin Kamran Bahrami. Com: Zar Amir-Ebrahimi, Mehdi Bajestani, Arash Ashtiani, Forouzan Jamshidnejad, Sina Parvaneh, Nima Akbarpour
Entre 2000 e 2001, uma série de assassinatos aterrorizou o Irã ao produzir nada menos do que 16 cadáveres em um curto espaço de tempo, dando início a uma investigação que moveu toda a população do país em busca do criminoso. Não, permitam-me refrasear isto: 16 mulheres foram assassinadas por um serial killer que acabou sendo visto como um herói por um número considerável de pessoas, já que todas as vítimas eram prostitutas e, portanto, supostamente “mereciam” a punição. E se o assassino acabou de fato preso, é bastante provável que isto tenha ocorrido apesar do trabalho da polícia, não em função deste, já que aparentemente havia prioridades maiores ocupando os homens da lei.
Não é preciso ser um grande conhecedor da situação sociopolítica do Irã para concluir que, claro, a religião desempenhou um papel essencial nas motivações do psicopata, que acreditava estar fazendo um trabalho divino através de suas ações – e antes que alguém atribua ao islamismo a responsabilidade pelos crimes, sugiro que olhe com atenção para a influência do cristianismo e de valores religiosos conservadores sobre a violência que fere e mata milhares de mulheres em países com maioria de católicos/evangélicos. Assim, embora o cineasta iraniano (radicado na Dinamarca) Ali Abbasi use seu novo filme, Holy Spider, como um instrumento para expor a estrutura misógina da sociedade iraniana, infelizmente há universalidade no que é visto ao longo da projeção.
Co-escrito por Afshin Kamran Bahrami, o roteiro se divide entre as ações do assassino, Saeed (Bajestani), e da jornalista Rahimi (Amir-Ebrahimi), que viaja de Teerã até a cidade sagrada de Mashhad, no nordeste do país, a fim de investigar as mortes. Independente, determinada e de temperamento forte, Rahimi exibe – ao contrário da polícia – compaixão pelas vítimas, normalmente mulheres paupérrimas que se prostituem quase que em troca de comida, enfrentando a resistência de policiais locais que ou a insultam como profissional, ou a assediam (frequentemente ambos). Prejudicada no passado pelo assédio de um editor que causou sua demissão ao ter seus avanços recusados, a mulher segue as exigências legais teocráticas do país a contragosto, cobrindo os cabelos com um lenço, por exemplo, apenas quando necessário, o que tristemente reflete a situação no país ainda hoje, vinte anos depois.
Este olhar humanista lançado sobre as vítimas, diga-se de passagem, é uma das forças de Holy Spider, que em determinadas passagens se concentra em retratar o cotidiano daquelas mulheres, evitando que passem a ser definidas apenas por seu papel de vítima de um serial killer em um filme policial – e é deprimente, em especial, observar a pele cheia de hematomas e feridas de uma delas antes de ser atacada pelo matador. Vale salientar, aliás, que este não é exatamente um gênio do crime; ao contrário, suas ações são tão descuidadas que muitos chegaram a vê-lo ao longo dos meses, o que comprova ainda mais o desinteresse da polícia em capturá-lo.
Dito isso, não é interesse de Abbasi mitificar Saeed (um erro comum em produções do gênero), que surge também em momentos familiares ao lado da esposa e dos três filhos, ficando óbvio, aos poucos, que seu comportamento traz traços de estresse pós-traumático resultante de sua participação na guerra contra o Iraque e que o faz sentir vergonha por não ter se tornado um “mártir” durante os combates. Com isso, o sujeito oscila entre uma postura carinhosa com os filhos e instantes de explosão, tendo como única constante sua devoção religiosa ao Islã e, em particular, ao imame Ali Reza.
Infelizmente, as ambições temáticas de Abbasi são constantemente sabotadas pelo roteiro, que comete uma série de erros graves na condução da história – como a ocorrência frequente de coincidências implausíveis durante as investigações de Rahimi (em certo instante, ela conversa com uma garota que, apenas minutos depois, se torna a vítima seguinte de Saeed) e, ainda pior, a decisão de incluir um elemento ficcional absurdo que traz a jornalista assumindo o disfarce de prostituta para atrair o assassino (o que ocorre quase de imediato, claro). Neste último caso, por sinal, o filme nem se preocupa em explorar o que aconteceria caso um cliente “real” abordasse a protagonista e até que ponto esta esperaria antes de concluir se tratar de um inocente. (Ou “inocente”, já que, em maior ou menor grau, todos os homens vistos ao longo de Holy Spider são predadores de alguma maneira, o que lamentavelmente não está muito longe da verdade.)
Por outro lado, tropeços à parte, a obra apresenta desdobramentos instigantes – e deprimentes – em seu ato final ao acompanhar a reação da sociedade iraniana à prisão de Saeed, quando (como ocorreu de fato) seus crimes são louvados por parte da população, não sendo acaso que a mãe de umas vítimas pareça demonstrar mais vergonha pela profissão da filha do que revolta por esta ter sido assassinada.
Com um desfecho que pode provocar uma satisfação compreensível (mas também triste pelo que revela sobre a natureza humana), Holy Spider é mais complexo, mas menos eficiente como narrativa do que os ótimos Shelley e Border, longas anteriores do diretor. Que, no entanto, demonstra ainda ter muito a dizer no futuro.
08 de Fevereiro de 2023
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