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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
20/07/2023 21/07/2023 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Universal
Duração do filme
180 minuto(s)

Oppenheimer
Oppenheimer

Dirigido e roteirizado por Christopher Nolan. Com: Cillian Murphy, Emily Blunt, Matt Damon, Robert Downey Jr., Florence Pugh, Benny Safdie, Tom Conti, David Krumholtz, Josh Hartnett, Alex Wolff, Josh Zuckerman, Rory Keane, Alden Ehrenreich, Jason Clarke, Tony Goldwyn, Dane DeHaan, Josh Peck, Jack Quaid, James Urbaniak, Christopher Denham, Dylan Arnold, Rami Malek, James Remar, Olivia Thirlby, Casey Affleck, Matthew Modine, Gary Oldman e Kenneth Branagh.

Um dos momentos mais aterrorizantes de Oppenheimer, cinebiografia do “pai da bomba atômica” dirigida por Christopher Nolan, ocorre em uma sala comum na qual um grupo composto por homens brancos discute com frieza absoluta em quais cidades deverão jogar o artefato nuclear criado pelo personagem-título. Cientes de que causarão a morte imediata de no mínimo 20 ou 30 mil pessoas (o número final ficou em torno de 120 mil), eles tratam a questão sem que detalhes como “moral”, “ética” e “humanidade” interfiram no debate – ainda que trivialidades como o fato de um deles ter passado a lua-de-mel em certa cidade acabem por pesar na decisão. Aliás, o único ali que parece hesitar diante do ataque é justamente o responsável por viabilizá-lo, o que talvez explique seus olhos constantemente assombrados.


Adaptado pelo próprio Nolan a partir do livro escrito por Kai Bird e Martin Sherwin, o roteiro adota uma cronologia fluida – como já seria de se esperar em um trabalho do cineasta – que se estrutura em torno de dois pontos-chave: o depoimento de Oppenheimer (Murphy) à comissão secreta que decidirá se sua credencial de segurança máxima será mantida e a audiência na qual a nomeação de Lewis Strauss (Downey Jr) para o cargo de Secretário de Comércio do governo Eisenhower é avaliada. A partir destes dois momentos, o filme salta entre épocas e pontos de vista, concentrando boa parte de sua atenção, claro, no desenvolvimento do Projeto Manhattan e na relação entre o físico e o general Groves (Damon), bem como em detalhes de sua turbulenta vida pessoal, incluindo seu caso com a psiquiatra Jean Tatlock (Pugh) e seu casamento com a bióloga Katherine Oppenheimer (Blunt).

Não é de se espantar que, considerando a posição importante do protagonista em um período essencial da História, a trajetória de Oppenheimer inclua interações com dezenas de figuras notórias, o que confere a Nolan a oportunidade de escalar um elenco composto por nomes que habitualmente não aceitariam fazer participações tão breves que, por vezes, soam quase como figuração - como Kenneth Branagh, Casey Affleck, Jack Quaid, Matthew Modine, Rami Malek e Gary Oldman -, o que por vezes mais distrai do que acrescenta à produção. Por outro lado, Robert Downey Jr. e Matt Damon aproveitam a oportunidade de viver tipos bastante distintos de seus papeis habituais: este último, evocando a rigidez e a disciplina de um militar veterano; o primeiro, abraçando a amargura e as inseguranças de um homem sem qualquer traço da jovialidade que o ator costuma trazer aos seus personagens. Enquanto isso, Florence Pugh projeta com intensidade a instabilidade psicológica de Tatlock sem permitir que isto defina aquela mulher, ao passo que Emily Blunt escapa da armadilha de encarnar o estereótipo de esposa ressentida ao emprestar a Kitty uma frustração interessante com a aparente passividade do marido, o que a leva a adotar uma postura combativa e valente.

Nenhuma destas performances funcionaria, porém, se o centro emocional do filme não contasse com o trabalho irrepreensível de Cillian Murphy, que contrapõe a racionalidade aparente de Oppenheimer às suas paixões ideológicas, românticas e sexuais que muitas vezes o levam a cometer atos impulsivos (ou a fazer declarações imprudentes) que o tornam imprevisível e, consequentemente, fascinante. É instigante, por exemplo, vê-lo abandonar os modos calmos e discretos ao se empolgar diante do interesse acadêmico de seus alunos, exibindo também incapacidade de resistir ao seu desejo por Tatlock e mesmo à sua admiração pelos princípios irredutíveis que – percebam a ironia - a mantêm inalcançável. De forma similar, o ator consegue a proeza de conciliar a obsessão científica do sujeito pela criação da bomba e sua resistência humanista em utilizá-la depois de construída sem que isso soe como pura demagogia ou hipocrisia.

Empregando a excelente fotografia de Hoyte Van Hoytema para distinguir visualmente a abordagem narrativa entre a subjetividade de Oppenheimer e uma visão mais distante (não necessariamente objetiva) de sua vida, o longa salta respectivamente entre sequências rodadas em cores e em preto-e-branco – e o fato de boa parte destas últimas se concentrarem em Strauss acaba estabelecendo também um subtexto importante sobre sua visão de mundo e aquela mais abrangente do personagem-título. Além disso, a fabulosa trilha composta por Ludwig Göransson é hábil ao trazer harmonias que parecem enxergar as epifanias científicas de Oppenheimer como algo quase poético, transcendental, enxergando beleza no que poderia se restringir a equações e descrições frias sobre a natureza da fissão nuclear. Para completar, a montagem de Jennifer Lame vai além da simples quebra cronológica, empregando inserts quase abstratos que ilustram os insights do protagonista e oferecem uma porta de entrada para o modo como sua mente opera.

Diferente da maior parte da filmografia de Nolan, que normalmente deposita seus esforços mais na elaboração de tramas e menos no desenvolvimento detalhado das figuras que as movem, Oppenheimer pode de certa maneira ser considerado um estudo de personagem – e ainda que os eventos da vida do físico sejam relevantes para o roteiro, o cineasta mantém o foco na atmosfera da narrativa (ao menos, como percebida/sentida pelo protagonista). Aqui e ali, claro, há certo exagero (não estou certo de que incluir a imagem de Oppenheimer nu e transando com Tatlock na sala em que está sendo forçado a discutir sua intimidade seja necessário, martelando no espectador algo que este já havia compreendido), mas de modo geral estas intervenções mais expressivas contribuem para que o público se aproxime de uma figura que poderia com facilidade se manter como um enigma indecifrável.

Já os aspectos morais da destruição de Hiroshima e Nagasaki não têm nada de ambíguos na visão do filme, que enxerga com reprovação tanto o cinismo do governo (e dos militares) norte-americano – como usar o termo “artefato” no lugar de “bomba” – quanto suas justificativas para o ataque, já que a Alemanha havia se rendido meses antes e o Japão caminhava para o mesmo fim. (Discuti esta visão – defendida por muitos historiadores contemporâneos – neste post em meu blog.) Não que a obra busque absolver Oppenheimer, já que o próprio fazia questão de se condenar, mas os olhares mais severos são aqueles voltados para os políticos e militares diretamente envolvidos na decisão de usar as bombas, o que inclui o Harry S. Truman que Gary Oldman encarna como um canalha orgulhoso e xenofóbico (o que de fato era).

Beneficiado ainda por um desenho de som brilhante que atinge um de seus melhores momentos na cena em que o êxito da bomba é celebrado por uma plateia em júbilo e durante a qual alguns dos brados empolgados são transformados em gritos de pânico (e que também sabe utilizar o silêncio com inteligência, como na sequência que gira em torno de Trinity, como o primeiro teste da bomba foi batizado), Oppenheimer em vários instantes soa como um pesadelo que atormenta não só o protagonista, mas toda a humanidade.

Um horror ainda presente que encontra a representação perfeita no olhar assombrado de Cillian Murphy.

07 de Agosto de 2023

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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