Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
30/11/2023 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Downtown/Paris | |||
Duração do filme | |||
102 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por Carolina Markowicz. Com: Maeve Jinkings, Kauan Alvarenga, Thomas Aquino, Isac Graça, Erom Cordeiro, Caio Macedo, Marcia Isabel de Almeida e Aline Marta Maia.
“Terapia de conversão” é um eufemismo para um tipo de tortura psicológica que, ao sugerir ser capaz de alterar a orientação sexual de um indivíduo, basicamente assume ser uma forma de tentar mudar quem a pessoa é. Uma das mais importantes características que nos definem como seres sociais frequentemente em busca de alguém com quem possamos compartilhar sonhos, desejos ou apenas orgasmos, a sexualidade (e aquilo que nos atrai) está relacionada de modo intrínseco a quem somos – e desde que ela seja expressada entre dois adultos capazes de consentimento, não há nada nesta de vergonhoso, reprovável ou danoso.
Infelizmente, a intolerância (constantemente insuflada por líderes religiosos que usam o medo e o ódio como forma de atrair e prender fiéis) muitas vezes acaba se revelando mais forte que laços familiares e de amizade, destruindo ligações que em outras circunstâncias seriam raízes de grandes alegrias – e é isto que ocorre entre Suellen (Jinkings) e seu filho Tiquinho (Alvarenga). Jovem sensível, tranquilo, estudioso, trabalhador e preocupado com a mãe, o garoto se sente atraído pela cultura drag e grava vídeos nos quais surge dublando canções em inglês diante de cenários elaborados (ao menos, para seus recursos limitados, empregando CDs grudados na parede e luzes coloridas), o que provoca constrangimento na mulher quando seus colegas de trabalho descobrem e compartilham as imagens. Incentivada pela amiga Telma (Maia) a matricular Tiquinho no “curso” ministrado por um pastor português (Graça), Suellen a princípio hesita em função do preço da inscrição (1.650 reais), mas acaba por ceder – e para conseguir o dinheiro, acaba entrando em um esquema nada sensato ao lado do namorado Arauto (Aquino).
Interpretada com sensibilidade por Maeve Jinkings, que toma cuidado para não compor a personagem apenas como uma figura definida pela homofobia, Suellen é uma mulher que sabe ser doce com o filho nos momentos em que consegue esquecer o que este faz no quarto e conversa sobre trivialidades ou posa para fotos que este tira com o celular. Mãe solteira que certamente teve que se esforçar para cuidar do garoto, ela é apresentada ao espectador – numa decisão inteligente do roteiro de Carolina Markowicz – não em relação às questões com o filho, mas como uma pessoa comum cujas circunstâncias humildes se tornam claras quando vemos sua casa com a pintura descascada e testemunhamos sua irritação com contratempos cotidianos como um sutiã cuja alça arrebenta e o assento do vaso sanitário que o namorado deixou molhado de urina. Assim, quando sua frustração movida por homofobia se apresenta, esta torna-se não um traço único, mas um componente de uma personalidade multifacetada. Além disso, Jinkings, uma atriz cujo talento já enriqueceu obras como Amor, Plástico e Barulho, Boi Neon e os longas de Kléber Mendonça Filho, é hábil ao permitir que percebamos também os processos mentais de Suellen sem depender de diálogos – como, por exemplo, quando conversa com Arauto em um bar e em certo ponto, durante uma pausa na conversa, deixa o olhar pousar por alguns segundos no companheiro sem que este perceba e, depois de uma breve hesitação, diz ter “umas ideias aí” com a insegurança de quem sabe estar dando um passo muito errado.
Enquanto isso, Kauan Alvarenga, que já havia protagonizado o delicado curta-metragem Órfão dirigido por Markowicz cinco anos antes, traz serenidade para um personagem cuja raiva seria plenamente justificada, mas que de algum modo consegue manifestar suas dores sem perder a doçura. Em determinado instante, por exemplo, ao conversar com um amigo com o qual viveu alguma experiência pontual (“e aquela noite lá?” é tudo que sabemos sobre o que dividiram), o ator evoca a angústia de Tiquinho ao encarar o colega e engolir em seco antes de dizer um triste “tá bom” ao ouvir que aquilo nada significou para o outro. De maneira similar, o tom sarcástico que utiliza para comunicar o incômodo com a presença intrusiva de Arauto em sua casa (“Fica à vontade, tá?”) encontra o equilíbrio perfeito entre a impaciência e a irreverência, ajudando a estabelecê-lo como alguém com personalidade forte e inteligência suficientes para que compreendamos a dimensão do sacrifício que faz ao aceitar participar da tal “terapia”.
Contando com uma direção de arte que traz verossimilhança ao universo dos personagens (como o tijolo usado como base de um móvel), Pedágio usa com habilidade sua mise-en-scène para incutir impressões no espectador que refletem seus temas e os sentimentos dos personagens – como a sala que abriga o curso, com seu teto baixo e claustrofóbico, e que é dominada por cores beges e tristes que contrastam de forma significativa com os tons mais fortes vistos numa parede lateral e naquela posicionada atrás do pastor, indicando a natureza opressiva do que está ocorrendo ali para apagar aquelas pessoas. Já em outra passagem, há um humor patente (e crítico) no painel visto na festa de aniversário de um casal conhecido da protagonista e que, posicionado ao lado de um símbolo imperial, traz o anfitrião numa imagem cafona vestido com trajes reais (e é claro que o filho do casal, cuja primeira eucaristia está sendo celebrada na festa, se chama Enzo).
Já as cenas que retratam as sessões com o pastor oscilam entre um humor constrangido, daqueles que chocam pelo absurdo, e a pura revolta diante do que é pregado e praticado pelo sujeito e por sua assistente (Almeida), que, como não poderia deixar de ser, aproveita a oportunidade para exibir seu preconceito diante das religiões de matriz africana ao afirmar que “o Exu arrenda o seu corpo até os 17 (anos)”. Aliás, as falas ouvidas ao longo do “curso” são obviamente um combinado ignorante de termos entreouvidos pelo pastor e misturados aleatoriamente para conferir um ar científico a uma terapia baseada na pura ignorância. Além disso, o roteiro não deixa de expor a hipocrisia tão frequente entre aqueles que insistem em se apresentar como representantes ou seguidores do divino, o que envolve não só o guia daquelas sessões, mas a própria Telma, que em um momento trai o marido com completos desconhecidos apenas para, no segundo seguinte, explicar que já está discutindo o problema com seu pastor e que nada revelará para o companheiro por saber que o casamento pode “se estragar com certas verdades” (e é sempre muito cômodo atribuir comportamentos reprováveis ao diabo e aos agentes deste, já que isto evita que se assuma a responsabilidade sobre os próprios atos).
Isto para não mencionarmos as atitudes da protagonista, que enxerga mais problemas na sexualidade do filho, que nada tem de ofensiva ou destrutiva, do que nas decisões que toma para angariar dinheiro para tentar alterá-la – e é irônico, portanto, que justamente o alvo de todos aqueles julgamentos seja também o único personagem realmente íntegro da narrativa.
Apressando-se um pouco mais do que o ideal no terceiro ato, quando cobre as consequências das ações de Suellen em três ou quatro breves cenas que deixam algumas perguntas em aberto, Pedágio mais do que compensa este pequeno problema com seu desfecho impecável, que é perfeito em sua ironia e agridoce em sua concepção de um quase purgatório que talvez venha – numa interpretação otimista – a levar aquela mulher a enxergar o filho através das mesmas lentes de tom rosa com as quais este é capaz de ver o mundo quando este não está determinado a sufocá-lo.
30 de Novembro de 2023
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Assista abaixo a uma entrevista exclusiva com Carolina Markowicz e Maeve Jinkings: