Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
09/11/2012 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Imovision | |||
Duração do filme | |||
109 minuto(s) |
Dirigido por Abbas Kiarostami. Com: Rin Takanashi, Tadashi Okuno, Ryo Kase, Denden.
Quando amamos, conferimos ao objeto de nossa afeição poder absoluto sobre nosso bem estar: um gesto de carinho pode provocar a mais intensa das felicidades; uma frase cruel pode levar ao mais brutal dos sofrimentos. Assim, se formos bastante racionais, não poderemos negar que é preciso coragem e otimismo para amar alguém, pois é como se entregássemos uma arma carregada à outra pessoa e disséssemos: “Decida se vivo ou morro”. Por outro lado, se considerarmos que a alternativa seria a solidão e sua natureza opressiva, não nos restam muitas opções – e como até mesmo o mais perfeito dos casos de amor está destinado ao fim trágico trazido pela morte, não há como evitar a constatação de que somos criaturas destinadas ao sofrimento. Mesmo que no processo sejamos incrivelmente felizes.
De certa forma, é isto que o cineasta iraniano Abbas Kiarostami discute em seu novo filme, Um Alguém Apaixonado: a natureza obsessiva do amor, a frustração romântica trazida pela quebra da idealização e, claro, a solidão.
Escrito pelo próprio diretor, o filme gira em torno de Akiko (Takanashi, linda), uma universitária que complementa sua renda fazendo programas e que, noiva do estourado e impulsivo Noriaki (Kase), certa noite é enviada para atender um professor de sociologia aposentado, o gentil Takashi (Okuno). A partir desta história simples, Kiarostami oscila entre um delicado estudo de personagens e uma análise das aspirações sentimentais daquelas pessoas, enfocando o ciúme de um, a solidão de outro, a insegurança de um terceiro e assim por diante. Já na estupenda cena que abre a projeção, aliás, ouvimos a voz de Akiko enquanto esta tenta convencer o noivo de que está em um restaurante com a amiga (uma mentira) e, enquanto Kiarostami revela o ambiente em um plano longo e fixo, constatamos a ansiedade da garota diante da insegurança do amado, o que leva a um jogo involuntário de ciúme-mentira-dúvida que apenas provoca dor em ambos. Aliás, em nenhum momento ao longo do filme compreenderemos exatamente o que mantém o casal unido, já que em praticamente todas as suas interações Akiko e Noriaki soam miseráveis.
Mas não é relativamente comum encontrarmos casais que parecem permanecer juntos por alguma razão misteriosa que apenas os envolvidos supostamente conhecem? E, se formos bastante honestos, já não vivemos situações similares: romances tensos, repletos de conflitos e que mais soavam como algum tipo de dependência química do que como fruto de afeição? Assim, não é surpresa que o mais honesto e sereno dos personagens seja justamente aquele que não emprega qualquer tipo de subterfúgio: solitário após a morte da esposa, o idoso Takashi não se intimida em convidar uma jovem prostituta a visitar seu apartamento – e, de certa maneira, o sexo parece a menor de suas preocupações, já que ele se mostra perfeitamente satisfeito em apenas poder conversar e aconselhar a garota (que, neste sentido, se mostra não só uma “substituta” de sua esposa, mas também de sua neta).
Composto menos por atos e mais por cenas longas que, durando de 15 a 20 minutos cada, constroem a base da narrativa, Um Alguém Apaixonado salta da boate do início ao interior de um táxi e daí para a casa do professor, empregando estas mudanças de ambiente para alterar também o foco do filme: de Akiko para Takashi e deste para Noriaki. Em alguns instantes, Kiarostami emprega basicamente o rosto de Rin Takanashi como motor da projeção, concentrando-se em sua reação enquanto ouve os vários recados da avó; já em outros, é o jeito ansioso do professor em seu apartamento que move o longa até que este cede lugar ao temperamento explosivo do noivo da protagonista. Em todas estas passagens, porém, Kiarostami adota uma câmera contemplativa que, mantendo-se fixa nos personagens ou movendo-se lentamente para acompanhá-los em cenários limitados, praticamente obriga o espectador a estudar cada sutileza das expressões de seus excelentes atores.
Neste aspecto, aliás, o fabuloso desenho de som de Reza Narimazadeh também merece destaque indiscutível, já que, desde a construção caótica da boate do início (com o grito fora de campo de Akiko, que parece suspender aquele mundo por alguns segundos) até o bipe enervante de um micro-ondas nos minutos finais, os efeitos sonoros desempenham um papel fundamental na concepção daquele universo – e não apenas ao estabelecer sua geografia, mas também a atmosfera de cada cena.
Com um desfecho curioso e súbito que soa perfeito por ilustrar as frustrações originadas pelo amor descritas no início deste texto, Um Alguém Apaixonado pode até não despertar questionamentos filosóficos como aqueles presentes no excepcional Cópia Fiel, trabalho anterior de Kiarostami, mas certamente não é isto que interessa ao cineasta desta vez. Em vez disso, o diretor mergulha nas angústias de seus personagens e, no processo, encanta e entristece ao refletir as nossas próprias.
9 de Novembro de 2012