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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
02/02/2023 01/02/2023 3 / 5 2 / 5
Distribuidora
Universal
Duração do filme
100 minuto(s)

Batem à Porta
Knock at the Cabin

Dirigido por M. Night Shyamalan. Roteiro de Steve Desmond, Michael Sherman e M. Night Shyamalan. Com: Dave Bautista, Jonathan Groff, Ben Aldridge, Nikki Amuka-Bird, Abby Quinn, Kristen Cui e Rupert Grint.

A ideia da pequenez da espécie humana e de nossa absoluta vulnerabilidade aos desejos misteriosos de forças superiores é algo que Batem à Porta considera tão central às suas discussões temáticas que, logo nos primeiros segundos de projeção, apresenta de forma simbólica ao enfocar gafanhotos que, imponentes quando vistos através de lentes macro, rapidamente são reduzidos a criaturas indefesas e passivas quando a mão de uma criança os captura e os aprisiona em uma jarra de vidro. Para aqueles insetos, a garotinha Wen (Cui) é uma deidade disposta a determinar seus destinos – e é uma pena que, ao longo dos 100 minutos seguintes de projeção, o filme não consiga manter a coerência deste paralelo, contradizendo-se repetidamente sem aparentemente se dar conta disto.


(O restante deste texto pode incluir alguns spoilers.)

Baseado no livro de Paul Tremblay, o longa acompanha o pequeno núcleo familiar formado por Eric (Groff), Andrew (Aldridge) e sua pequena filha adotiva Wen, que alugam uma cabana à beira de um lago para alguns dias de descanso que acabam sendo interrompidos pela chegada de quatro desconhecidos: Leonard (Bautista), Adriane (Quinn), Sabrina (Amuka-Bird) e Redmond (Grint). Imobilizados pelos invasores, o trio é informado de que o Apocalipse se aproxima e que a única coisa capaz de evitá-lo é um sacrifício – e que deverão escolher um membro da família para cumprir esse papel.

Dirigido por M. Night Shyamalan, um cineasta que elogiei fartamente no início de sua carreira, mas que aos poucos foi se tornando uma fonte consistente de frustrações, Batem à Porta conta com uma vantagem em relação às bombas que o sujeito realizou nos últimos 19 anos: um roteiro co-assinado por outras pessoas (não que isso tenha ajudado muito Depois da Terra). Adaptado a princípio pela dupla Steve Desmond e Michael Sherman, chegando a figurar na notória “Black List” que todos os anos seleciona projetos promissores que ainda não foram produzidos, o roteiro acabou recebendo um novo tratamento por parte de Shyamalan (claro) – e não é difícil apontar as alterações feitas por este especialmente no terceiro ato, quando seus velhos vícios, ausentes na maior parte do tempo, retornam de modo marcante (em especial a necessidade irritante de explicar em detalhes até elementos que não exigiam explicação adicional).

A boa notícia é que há muito tempo o realizador não demonstrava o domínio de linguagem tão marcante em O Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais e, até certo ponto, A Vila (ainda que estes dois últimos sejam comprometidos pelo roteiro): já na sequência de abertura, por exemplo, Shyamalan cria uma atmosfera inquietante, tensa, sem precisar explicitar os motivos. Para isso, não só explora o tamanho descomunal de Dave Bautista, adotando ângulos que ressaltam seu contraste em relação à diminuta Kristen Cui, como introduz planos holandeses que sugerem a introdução de instabilidade no mundo da menina e arremata a estratégia com closes fechadíssimos do ex-lutador que já evocam um clima claustrofóbico antes mesmo que a ação passe a ocorrer dentro da cabana do título.

Mas não só isso: o diretor é inteligente também ao estabelecer paralelos e conexões fundamentais entre personagens ao utilizar quadros similares ao retratá-los – e percebam, por exemplo, como Eric e Redmond são vistos com frequência no canto inferior da tela, numa posição incômoda que insinua vulnerabilidade tanto do invasor quanto de seu prisioneiro, indicando como ambos são vítimas da situação em que se encontram. De maneira similar, quando Adriane se dirige ao casal em uma súplica, Shyamalan conclui a passagem com closes quase idênticos da moça e de Eric, sinalizando como este foi afetado emocionalmente pelo que ouviu. Para completar, é interessante como no flashback que traz a família cantando “Boogie Shoes” no carro, Andrew é posicionado quase fora do quadro, salientando como sua racionalidade excessiva cria certa distância em relação à ligação entre Eric e Wei (o que amarrará um arco dramático elegante no último plano do filme).

Dito isso, Shyamalan parece sofrer de um mal mais comum em principiantes: a síndrome de “mamãe, sou diretor”, que leva o paciente a mover a câmera o tempo inteiro mesmo quando não há motivações narrativas para isto – ou, mais grave, quando contradiz o que está sendo ilustrado. O pior exemplo em Batem à Porta pode ser encontrado na cena que mostra um tsunami atingindo uma praia e que é supostamente registrada por alguém que se encontra no local: à medida que a onda se aproxima, a câmera se volta várias vezes para uma outra banhista a fim de mostrar sua reação aterrorizada, o que faz tanto sentido quanto o momento de A Visita em que a câmera posicionada pelas duas crianças realiza diversos rack focus entre estas durante uma conversa. Além disso, é impressionante como Shyamalan erra na condução dos noticiários de tevê, quando os âncoras adotam um tom completamente equivocado que compromete a eficácia dos incidentes discutidos.

Com exceção dos intérpretes destes âncoras, porém, o elenco de Batem à Porta oferece performances notáveis, começando por Dave Bautista, que confere uma gentileza importante a Leonard que impede o espectador de rejeitá-lo ou de enxergá-lo como um vilão, numa caracterização ancorada no tom de voz suave e no olhar triste que comprovam o cuidado de um ator determinado a fugir do rótulo de brutamontes. Enquanto isso, Rupert Grint adota maneirismos que a princípio sugerem o Jack Nicholson de O Iluminado (reparem em suas expressões no instante em que fala: “Olá, meu nome é Redmond e eu gosto de longos passeios pela praia e de cerveja”), cedendo lugar a uma fragilidade crescente que enriquece sua composição. E se Abby Quinn oscila de forma menos orgânica entre uma cena e outra, indo aleatoriamente da calma à quase mania, Nikki Amuka-Bird transforma Sabrina na figura mais humana do quarteto de invasores, parecendo surpresa com as próprias ações (o que evidencia sua crença em causa). Para completar, Jonathan Groff e Ben Aldridge evocam com sensibilidade o afeto entre seus personagens e o contraste entre as personalidades destes – e o primeiro, em particular, faz um belo trabalho ao encarnar as alterações da percepção de Eric quanto à situação em que se encontra.

Bastante tenso em sua metade inicial, quando ainda estamos conhecendo os personagens e suas motivações, Batem à Porta perde parte de sua força à medida que a narrativa se desenvolve e as dúvidas do espectador acerca dos “vilões” diminui – e talvez o maior equívoco do filme seja justamente o fato de não conseguir levar o público a questionar se o que Leonard diz é real ou fruto de alguma instabilidade mental, já que a partir do instante em que aceitamos a premissa do Apocalipse, o desenrolar da história se torna previsível. Para piorar, a já mencionada tendência de Shyamalan de querer amarrar todas as pontas elimina qualquer possibilidade de ambiguidade, culminando num plano ridículo em que vemos alguém vasculhando bolsas e mochilas que comprovam as identidades e relatos dos invasores (o que inclui um certificado emoldurado, um documento que traz em fontes enormes a profissão de uma personagem e – o mais hilário - um porta-retrato com uma foto que qualquer indivíduo normal teria no celular em vez de num objeto inconveniente de transportar).

O que nos traz à incoerência temática citada no início: ao contrário da sugestão de um poder superior responsável pelo destino da humanidade e ao qual todos seriam submissos, os desastres ocorridos ao longo do filme são provocados pelos invasores, que, como fica evidente, são os quatro Cavaleiros do Apocalipse (algo refletidos nas cores de sua roupa e que são associadas a estes: branco, vermelho, preto e amarelo). Ora, uma coisa é anunciar algo; outra, de natureza totalmente diferente, é invocá-lo – e o roteiro não se preocupa em esclarecer esta contradição aparente na ação do quarteto, negando-se inclusive a relacionar – apesar das evidências – o fim do mundo a uma religião ou deidade, o que só reforça o papel daqueles que causam as tragédias.

De modo geral, contudo, Batem à Porta funciona enquanto o vemos, o que é um avanço em relação aos últimos esforços de Shyamalan, que desmoronavam já durante a projeção. E o plano final, paciente e sensível ao resumir em um ato o início de um processo de cura emocional, é um dos melhores da filmografia de um cineasta que eu julgava ter se tornado incapaz de produzi-los. Fico feliz por ter errado.

03 de Março de 2023

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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