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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
21/03/2024 21/03/2024 3 / 5 2 / 5
Distribuidora
Amazon Prime
Duração do filme
121 minuto(s)

Matador de Aluguel
Road House

Dirigido por Doug Liman. Roteiro de Anthony Bagarozzi e Chuck Mondry. Com: Jake Gyllenhaal, Jessica Williams, Daniela Melchior, Conor McGregor, Billy Magnussen, B.K. Cannon, Post Malone, Lukas Gage, Dominique Columbus, JD Pardo, Arturo Castro e Joaquim de Almeida.

Logo nos primeiros minutos de Matador de Aluguel, o ex-lutador profissional do UFC Elwood Dalton (Gyllenhaal) é confrontado por um desconhecido que enterra uma faca na lateral de seu abdômen. No entanto, o que poderia ser um ferimento fatal para pessoas comuns como você e eu (ou no mínimo suficiente para uma cirurgia e dias de internação) é algo que Dalton considera um mero inconveniente, tratando a arma como se fosse uma farpa que se alojou em de seus dedos, optando por tratar a ferida com fita adesiva e macheza. É este tipo de filme que Matador de Aluguel deseja ser - e quem assisti-lo com a intenção de acompanhar uma história com consequências reais para seus personagens estará buscando no lugar errado.


Refilmagem do clássic… do ótim… do divertido longa estrelado por Patrick Swayze em 1989 (e é preciso ter vivido naquele período para compreender o fenômeno que aquele carismático ator representou), esta produção comandada por Doug Liman abandona o lado filósofo (literalmente: ele era formado em Filosofia pela Universidade de Nova York) do personagem para transformá-lo em um sujeito atormentado por certo incidente do passado – nada tão absurdo quanto arrancar a garganta de alguém, mas igualmente traumático – que é contratado para trabalhar como leão de chácara de um bar que vem sendo prejudicado pelo excesso de brigas provocadas por um grupo de arruaceiros. Substituindo a secura do Missouri pelo litoral da Flórida, o novo Matador de Aluguel não demora a revelar que os tais desordeiros atuam sob as ordens do inescrupuloso Ben Brandt (Magnussen), que quer obrigar a dona do estabelecimento, Frankie (Williams), a vendê-lo – e sabemos imediatamente que Brandt é o vilão quando percebemos que vive em um luxuoso iate e obriga um funcionário a barbeá-lo sobre as águas agitadas sem cortá-lo, como se fosse uma versão millennial do Al Capone de Robert De Niro em Os Intocáveis. E quem estiver procurando um antagonista complexo empregará melhor seu tempo vendo Big Brother Brasil.

Encarando a lógica como inimiga da diversão, o roteiro de Anthony Bagarozzi e Chuck Mondry não se preocupa em explicar, por exemplo, como Frankie é capaz de pagar vinte mil dólares por mês para Dalton ou de contratar bandas diferentes todas as noites mesmo sendo dona de um bar que nunca está cheio a ponto de justificar lucros desta dimensão e que funciona em uma cidadezinha pequena que não parece atrair uma quantidade grande de turistas – que de todo modo dificilmente estariam interessados em frequentar um local que diariamente se converte em uma arena de combate (e os gastos para substituir mesas, cadeiras e estoque destruídos certamente são colossais). Ora, o filme mal tem interesse o bastante para encontrar um motivo plausível para que o vilão interpretado por Conor McGregor seja apresentado enquanto caminha nu pelas ruas de uma cidade italiana, já que, como logo descobriremos, ele não é exatamente o tipo de homem que fugiria ao ouvir a aproximação de um marido enciumado.

Cientes de que um dos recursos mais eficientes para gerar tensão sexual entre duas pessoas atraentes é levá-las a brigar quando se conhecem, os roteiristas trazem a médica Ellie (Melchior) insultando o protagonista segundos após vê-lo pela primeira vez, aproveitando também a profissão da personagem de modo sagaz para mostrá-la cuidando das feridas do herói – um outro clichê que nunca falha (eu coloquei “sagaz” entre aspas?). Além disso, existe uma forma melhor de expor os traumas de um personagem do que através de sonhos/pesadelos que gradualmente vão revelando incidentes específicos de seu passado? A resposta: sim, existe. Mas Matador de Aluguel não é o tipo de filme que se esforçaria para encontrá-la.

Apresentando McGregor como uma espécie de novo Exterminador (com direito a exigir que um desconhecido lhe entregue as roupas já em sua primeira cena), o longa nos encanta também com o profissionalismo dos músicos contratados por Frankie, que continuam a tocar seus instrumentos não apenas durante as brigas que destroem tudo ao seu redor como depois que todos já deixaram o bar em função da destruição quase completa do ambiente e da chegada da polícia. Do mesmo modo, é preciso admirar um filme que não tem o menor embaraço em retratar um vilão cujos planos são ilustrados por uma maquete em seu quartel-general como se estivesse apenas à espera da chegada de James Bond para amarrá-lo em uma mesa sob um arma de raio laser.

Não que Matador de Aluguel seja frívolo; se há algo que a obra leva muito a sério é o drama psicológico do protagonista, que esconde um verdadeiro monstro sob os modos afáveis – e se tortura por isso, lutando tanto para manter sua raiva sob controle que chega a ser espantoso que seu nome não seja Bruce Banner. “Você não quer me conhecer”, ele alerta Ellie, sem perceber que esta também deve possuir sua parcela de segredos, já que fala com um forte sotaque apesar de afirmar ter crescido naquela cidade – não que o filme se preocupe com isso, parecendo acreditar que sotaque é uma característica genética. “Eu sei o que aconteceu”, a médica responde, divertindo-se por ter ciência de que o espectador terá que esperar outro sonho/pesadelo/flashback para também saber.

A esta altura é possível que você tenha concluído que detestei esta refilmagem – e estaria errada. Sim, todos os pontos levantados nos parágrafos anteriores são legítimos, mas é aí que temos que nos lembrar de algo importante: o roteiro é apenas parte da narrativa cinematográfica. Nas mãos de um cineasta incompetente e de um ator menos talentoso, o trabalho de Bagarozzi e Mondry provavelmente resultaria em uma estupidez insuportável, daquelas que fazem um crítico lamentar a ausência de uma cláusula de insalubridade no contrato que não assinou por atuar em uma área cada vez mais desvalorizada em um mercado que o encara como algo dispensável e em extinção (será que apenas ex-lutadores com 32 músculos abdominais definidos merecem ofertas de 20 mil dólares por mês?). Porém, Liman é o diretor de A Identidade Bourne e No Limite do Amanhã, enquanto Gyllenhaal é Jack Twist, Robert Graysmith, o detetive Loki, Adam/Anthony e Louis Bloom – em outras palavras: um intérprete versátil capaz de conferir nuances e suavidade a personagens que poderiam representar uma armadilha em mãos menos hábeis. Com isso, o tom gentil de Dalton deixa de representar um artifício e se torna verossímil – e poucos atores teriam o impulso de dizer uma frase como “Eu gostaria de não ter que fazer isso, mas estou com raiva” com um sorriso sincero no rosto e a inflexão de alguém que reconhece a trágica ironia de sua situação. Para completar, é preciso respeitar a preparação física que torna crível um cenário em que Donnie Darko seja páreo para Conor McGregor (que, mesmo oferecendo uma composição de uma única nota – insanidade -, diverte o bastante para sugerir a possibilidade de um futuro no Cinema).

Claro que as coreografias das lutas contribuem para isso (bem como efeitos de montagem como frame drops, que tornam os golpes mais poderosos) – e é aqui que Liman se destaca ao criar uma dinâmica interessante com a câmera, que às vezes se torna subjetiva no meio de um combate ou se prende aos corpos dos combatentes, girando e caindo ao lado/acima destes. Do mesmo modo, a edição de efeitos sonoros encontra espaços para firulas curiosas, como ao ressaltar uma fala do vilão com o som do estouro das bolas de bilhar em uma mesa ao lado ou ao tornar um soco patético ao compô-lo com um baque surdo e sem potência.

No final das contas, Matador de Aluguel é um filme que abraça a própria tolice e a apresenta de forma genuína, sincera, sem tentar se converter em algo que não é. E o que ele é? Ora, a refilmagem de uma bobagem cujo anti-herói (que era encarado apenas como herói) era capaz de arrancar a traqueia de um oponente apenas com um golpe rápido da mão. Duvido que Charles Foster Kane, Michael Corleone ou Robert Oppenheimer conseguiriam fazer algo assim.

21 de Março de 2024

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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