Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
13/03/2025 | 01/11/2024 | 3 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
02 Play | |||
Duração do filme | |||
98 minuto(s) |
Dirigido por Tim Mielants. Roteiro de Enda Walsh. Com: Cillian Murphy, Patrick Ryan, Zara Devlin, Eileen Walsh, Michelle Fairley, Helen Behan, Clare Dunne, Agnes O´Casey, Mark McKenna, Liadàn Dunlea e Emily Watson.
Sem conseguir dormir, William Furlong se levanta, vai à cozinha de sua pequena casa e prepara um chá, esforçando-se para limitar o barulho que faz a fim de não acordar a esposa e as cinco filhas. Sentindo-se ainda inquieto, ele puxa uma das cadeiras da sala e a vira para a janela, sentando-se a fim de observar as pessoas que passam pela rua – e a sensação é a de estarmos vendo um homem que se sente tão deslocado do mundo que o cerca que a janela se torna uma espécie de tevê através da qual ele tenta entender (ou se conectar com) o que todos julgam apenas cotidiano. Assim, não é surpresa que ele resista tanto a atender o telefone do escritório em sua empresa de venda de carvão, deixando que outros o façam; minimizar o contato com quem quer que seja é uma forma de sobrevivência.
Ao mesmo tempo, Bill é um pai atencioso e um marido carinho, demonstrando ser capaz de estabelecer laços afetivos significativos. Então por que ele se comporta como um misantropo na maior parte do tempo?
A resposta a esta questão logo fica clara, embora o que o protagonista fará a respeito se torne o centro dramático da narrativa de Pequenas Coisas Como Estas, filme de abertura da 74ª. Edição do Festival de Berlim cujo roteiro, adaptado por Enda Walsh (do excelente Fome) a partir de um livro de Claire Keegan, é ambientado numa pequena cidade irlandesa em 1985 – anos antes, portanto, que os atos pavorosos que ocorriam nas chamadas Lavanderias Madalena fossem expostos ao mundo (há um belo filme dirigido por Peter Mullan em 2002 sobre o tema, Em Nome de Deus). Estrelado (e produzido) por Cillian Murphy, o longa discute exatamente como aqueles horrores eram amplamente conhecidos pelas comunidades ao redor dos conventos, mantendo-se em segredo graças à apatia de muitos e ao temor de hostilizar a Igreja, cuja influência garantia sua capacidade de destruir quem a ela se opusesse.
No entanto, depois de testemunhar dois incidentes, algo se solta em Bill, que se torna cada vez mais incapaz de permanecer em silêncio – e a ansiedade crescente do personagem é ilustrada por Murphy e pelo desenho de som através de sua respiração pesada, ao passo que a direção de arte de Paki Smith e a fotografia de Frank van den Eeden se encarregam de salientar a atmosfera claustrofóbica através dos espaços apertados e dos quadros que de modo recorrente retratam os personagens encaixotados pelos batentes das portas (e o fotógrafo se destaca também ao executar um longo plano que, percorrendo os corredores do convento, oferece rápidos olhares sobre a realidade massacrante, sem cor e sem vida daquelas garotas). Além disso, é preciso dar créditos ao cuidado da figurinista Alison McCosh ao desgastar, por exemplo, o tecido dos ombros do casaco de Bill, refletindo anos e anos de trabalho carregando sacos pesados de carvão.
Investindo em uma composição praticamente silenciosa e carregada por culpa, Murphy ancora o projeto com segurança e coragem, confiando em sua capacidade de expressar todo o tumulto interno de Bill sem depender de contorcionismos faciais extremos que trairiam sua natureza introspectiva. Triste e distraído por suas preocupações, o sujeito se sente cada vez mais culpado à medida que o tempo passa e sua inação permanece. Aliás, trata-se de uma performance tão eficaz que os vários flashbacks que buscam estabelecer uma ligação de sua história pessoal com as ações das freiras se tornam não apenas dispensáveis como distrações – e considerando como Ciarán Hinds é listado pelo IMDb como parte do elenco embora não esteja na versão final, sou capaz de apostar que ao menos uma cena bastante significativa que talvez justificasse estes flashbacks acabou sendo excluída (principalmente considerando que estas cenas no passado contam com a participação de um ator fisicamente muito parecido com Hinds). E por mais que eu aprecie raccords como o que salta do Bill adulto sentado em sua cama à sua versão jovem sentado a uma mesa, a falta de função dos saltos em si compromete esta apreciação. (E a ideia de batizar uma jovem no presente com o mesmo nome da mãe do protagonista é apenas tola e óbvia.)
Dito isso, o diretor Tim Mielants cria uma sequência tão eficaz envolvendo uma breve e excepcional participação de Emily Watson que estes tropeços quase poderiam ser ignorados (quase) – e a performance da atriz, com o olhar atento para as reações de Bill e uma habilidade imensa para manipular uma situação potencialmente escandalosa, comprova como não há papeis pequenos para um grande artista.
Transformando a ação recorrente de lavar as mãos após chegar do trabalho em uma metáfora que, mesmo evidente, funciona no contexto da narrativa (e da profissão do personagem), Pequenas Coisas Como Estas sabe como a paciência pode ser uma virtude importante em uma obra como esta, jamais acelerando seu ritmo por medo de perder o espectador e respeitando, com isso, o ritmo do próprio Bill.
E mesmo que este não seja um grande filme, como intérprete Cillian Murphy está vivendo uma fase invejável.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Berlim 2024
16 de Fevereiro de 2024
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