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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
24/11/2004 27/02/2004 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
120 minuto(s)

A Confissão
The Statement

Dirigido por Norman Jewison. Com: Michael Caine, Tilda Swinton, Jeremy Northam, Alan Bates, Charlotte Rampling, John Neville, Ciarán Hinds, Frank Finlay.

A Confissão é, numa análise superficial, um suspense bem realizado sobre um sujeito perseguido por perigosos inimigos. Porém, a partir do momento em que constatamos que o protagonista é um criminoso de guerra responsável pela execução de sete judeus durante o período da ocupação nazista na França, a situação torna-se mais complexa – principalmente se considerarmos quem são seus perseguidores: autoridades francesas (que querem prendê-lo a fim de descobrir se há algum ex-nazista no governo) e assassinos pagos por um grupo judeu que quer transformar a morte do sujeito em um manifesto contra os nazistas que escaparam impunes.


Inspirado na história real de Paul Touvier (o único francês a ser condenado por crimes contra a Humanidade), o roteiro foi escrito por Ronald Harwood (O Pianista) e, em função de sua própria premissa, apresenta questões éticas interessantes. Em primeiro lugar: é justo perseguir alguém por um ato cometido há 50 anos? E a alegação de ter `apenas cumprido ordens` é aceitável quando se trata de um crime tão bárbaro? E o que dizer da participação de setores da Igreja Católica no acobertamento de ex-nazistas no pós-guerra? Desenvolvendo a narrativa de forma sempre tensa, Harwood cria personagens multidimensionais que travam diálogos inteligentes que se preocupam em discutir os temas abordados, e não apenas em avançar a trama. (`Quando a Lei e a Política colidem, é a Lei que sai perdendo`, diz alguém, em certo momento, reconhecendo uma verdade que é, infelizmente, universal). O único defeito no trabalho do roteirista diz respeito à identidade e às motivações do tal `grupo judeu`, mas como esta fragilidade é exposta quase ao fim da projeção, não compromete tanto o filme, embora o enfraqueça.

Mantendo a fluidez da narrativa, o veterano diretor Norman Jewison compreende que A Confissão é uma produção sobre personagens e dilemas, e não sobre a ação, que é um elemento apenas incidental, uma conseqüência da interação inevitável daquelas pessoas (e, quando ela acontece, um grande nível de tensão toma conta da tela). Assim, o cineasta reuniu um elenco admirável (embora, convenhamos, seja no mínimo estranho ver atores britânicos interpretando personagens chamados `Annemarie`, `Roux`, `Pierre` e `Armand`): Tilda Swinton, por exemplo, deixa para trás qualquer vestígio da quase repulsiva Ella Gault, de O Jovem Adam (seu papel imediatamente anterior), e assume a postura e o visual de uma mulher sofisticada, inteligente e charmosa que compreende as dificuldades políticas que se encontram em seu caminho. Além disso, ela estabelece uma grande química com Jeremy Northam – e o relacionamento dos dois revela-se adulto e interessante, sem permitir que o flerte evidente se torne uma simples convenção do roteiro.

Mas o grande responsável pelo sucesso de A Confissão é mesmo Michael Caine, cujo Pierre Brossard é um homem que fez, sim, coisas tenebrosas no passado, mas que está longe de ser um `monstro`, um `ser maligno`. Perseguido pela Justiça e por assassinos profissionais, Brossard é um indivíduo frágil, velho, doente e amedrontado – mas, ainda assim, capaz de tudo para se defender (como fica evidente logo na seqüência inicial do filme, quando podemos testemunhar sua presença de espírito e suas rápidas ações). Porém, a característica mais marcante (e comovente) do personagem é o auto-martírio: profundamente arrependido do que fez durante a guerra, ele não deseja simplesmente salvar a própria pele, mas sim sua alma – e quando um padre diz que reza por ele todas as noites, Brossard não contém as lágrimas, chorando copiosamente (o que, particularmente, me fez chorar ao lado daquele criminoso de guerra, o que evidencia a força da narrativa).

Por outro lado, o filme não tenta despertar a simpatia do espectador pelo protagonista através do argumento simplório de que este `mudou`: ao longo da projeção, percebemos também que Brossard está longe da perfeição. Quando encontra a esposa (interpretada pela ainda bela Charlotte Rampling), ele revela uma faceta cruel, quase sádica – e não é à toa que o sujeito é protegido pela ala mais conservadora da Igreja: rejeitando os avanços feitos pelo Concílio Vaticano II, Brossard despreza, por exemplo, os padres que deixaram de rezar a missa em latim. É, enfim, um personagem extremamente complexo vivido com uma perfeição ímpar por Caine – e o fato deste não ter sido mais uma vez indicado ao Oscar é lamentável.

Lamentável, também, é a tradução de The Statement para o português: a única `confissão` vista ao longo da trama é um mero incidente na longa trajetória percorrida pelo protagonista e nada tem a ver com a Declaração (esta, sim, importantíssima) do título original, que diz respeito ao comunicado que o `grupo judeu` pretende deixar junto ao corpo de Brossard. De todo modo, não será uma tradução infeliz que prejudicará um grande filme como este.

29 de Julho de 2004

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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