Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
07/03/2019 | 04/03/2019 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Disney | |||
Duração do filme | |||
124 minuto(s) |
Dirigido por Anna Boden e Ryan Fleck. Roteiro de Anna Boden, Ryan Fleck e Geneva Robertson-Dworet. Com: Brie Larson, Samuel L. Jackson, Ben Mendelsohn, Annete Bening, Lashana Lynch, Lee Pace, Clark Gregg e Jude Law.
“Alguns leitores dizem que [a Arte] deveria ser escapista e nada mais. Não consigo pensar assim. Para mim, uma história sem mensagem, por mais subliminar que esta seja, é como um homem sem alma. Mesmo a mais escapista das obras literárias continha pontos de vista morais e filosóficos. Nenhum de nós vive em um vácuo; nenhum de nós é intocado pelos eventos do mundo ao nosso redor – eventos que moldam nossas histórias como moldam nossas vidas. Só porque algo tem o objetivo de ser divertido não quer dizer que temos que desligar nossos cérebros ao consumi-lo”. Quem disse isso não foi um crítico de Cinema obcecado em incluir seus pontos de vista políticos em tudo que analisa ou um “justiceiro social” que passa seus dias e noites apontando dedos na Internet, mas um senhor multimilionário, intimamente associado a uma das maiores corporações do mundo do entretenimento e que, homem branco, heterossexual e rico, jamais precisou assumir uma posição política em defesa dos próprios interesses, já que a estrutura de toda a sociedade já havia sido construída para defendê-los há séculos e séculos: Stan Lee. Assim, é apenas apropriado que a vinheta da Marvel que abre a projeção de Capitã Marvel traga imagens em homenagem ao recém-falecido ícone dos quadrinhos, já que sua visão acerca do importante papel que sua arte deveria desempenhar ao refletir e confrontar a sociedade tornou-se particularmente relevante em duas das produções mais recentes do estúdio: Pantera Negra e este Capitã Marvel.
Representando a primeira superprodução da Marvel protagonizada por uma super-heroína – e, de quebra, trazendo mulheres dividindo a direção e o roteiro -, o longa sofreu pesados ataques por parte dos autobatizados incels (“celibatários involuntários” ou, num português claro, indivíduos que não conseguem transar porque suas posições misóginas, conservadoras e repletas de intolerância espantam qualquer parceira em potencial que tenha o mínimo de sensatez), que se sentiram ofendidos diante de declarações de Brie Larson, estrela do projeto e feminista engajada que expressou seu desinteresse pelo ponto de vista de “críticos brancos de 40 anos de idade” acerca de produções que têm, como alvo, minorias pouco representadas entre estes profissionais. Pois bem: como um crítico branco de 40 anos (ok, 44), sinto que a fala da atriz me confere o direito de resposta – e, assim, digo que... compreendo perfeitamente o que ela disse e não discordo. De fato, há uma falta de diversidade nas vozes não apenas de críticos, mas de realizadores – e chega um momento em que acompanhar histórias narradas (ou analisadas) pelo mesmo tipo de perfil se torna não apenas entediante, mas limitante.
Dito isso, é injusto exigir de Capitã Marvel que se torne o representante do empoderamento feminino no Cinema (algo que também ocorreu com Mulher-Maravilha), transformando-o num símbolo cujas fragilidades acabariam por comprometer a própria ideia de representatividade. Em outras palavras: é possível – não: fundamental – compreender a importância do filme (e de seu sucesso comercial) mesmo reconhecendo seus problemas narrativos.
E, sim, embora divertido e competente de modo geral em sua proposta como longa de ação e fantasia, Capitã Marvel não consegue estabelecer uma identidade própria como, por exemplo, Pantera Negra, soando muitas vezes como uma obra genérica dentro de um universo cujos filmes estão se tornando cada vez mais indistinguíveis entre si – o que, infelizmente, parece ser uma determinação do próprio estúdio.
Escrito por Geneva Robertson-Dworet, Ryan Fleck e Anna Boden (estes dois últimos também dividem a direção), o roteiro busca trazer algum imediatismo para a narrativa ao investir num início in media res, atirando o espectador na história da heroína bem depois de seu começo cronológico – algo que não deixa de fazer sentido quando consideramos a entrada tardia da personagem em um universo que já conta com 20 capítulos. Assim, Capitã Marvel foge do convencional ao se apresentar como uma história de origem que deixa para revelá-lo apenas na segunda metade da projeção, preferindo investir a maior parte de seus esforços em estabelecer os poderes da personagem-título, suas limitações e seus objetivos. De certo modo, esta é uma estrutura ambiciosa que traz vantagens óbvias (como poder investir na ação desde o princípio), mas que também se vê obrigada a empregar uma quantidade razoável de diálogos expositivos a fim de esclarecer para o espectador diversos elementos que normalmente seriam apresentados de forma gradual – e até mesmo a natureza das relações entre personagens é apresentada verbalmente em vez de construída através de seus atos.
Exibindo problemas de ritmo em sua primeira metade, que parece saltar arbitrariamente entre explosões de ação e cenas de pura exposição, o filme melhora ao focar na dinâmica entre Carol Danvers (Larson), Nick Fury (Jackson) e o ambíguo alienígena Talos (Mendelsohn), quando os objetivos da protagonista se tornam bem definidos e ocupam o espaço antes dedicado às suas repetitivas dificuldades de lembrar detalhes sobre seu passado. Além disso, ao ancorar a trama na década de 90, os cineastas encontram na nostalgia – mesmo que expressada através da condescendência com a tecnologia “primitiva” da época – uma muleta eficiente para definir a atmosfera geral da obra, evitando a armadilha de se levarem excessivamente a sério (ainda que o façam pontualmente). Por outro lado, as tentativas repetidas de fazer graça nem sempre são bem-sucedidas, sendo artificial, em particular, a maneira como Carol e Nick imediatamente começam a trocar piadas e provocações irreverentes como se fossem amigos de longa data e não dois indivíduos de personalidades fortes (e contrastantes) que acabaram de se conhecer.
Prejudicado também pela falta de habilidade da dupla de diretores na condução das sequências de ação, que se apresentam confusas e desinteressantes em seu excesso de cortes que, associados aos quadros fechados e aos rápidos movimentos de câmera, tornam lutas e batalhas aéreas confusas e aborrecidas, Capitã Marvel ainda desperdiça boas oportunidades ao se contentar com um design de produção pouco imaginativo que não consegue explorar nem mesmo a avançada civilização Kree para criar imagens instigantes. Para piorar, constantemente os atores são substituídos por bonecos digitais pouco convincentes que pareceriam mais à vontade em games do que numa superprodução para o cinema, o que compromete a urgência dos combates. (Dito isso, os efeitos digitais que rejuvenescem Samuel L. Jackson e Clark Gregg são notáveis.)
Já o carisma de Brie Larson, que traz peso dramático, mas também bom humor a Carol Denvers, garante que Capitã Marvel mantenha o espectador interessado em sua trajetória mesmo que jamais temamos de fato por seu destino – um problema (também enfrentado pelo Super-Homem) inevitável em uma personagem tão poderosa. Além disso, é notável como, mesmo reconhecendo a importância simbólica de trazer a primeira protagonista feminina do Universo Estendido Marvel, o longa evita ceder excessivamente ao impulso de expressar esta importância, permitindo que a história e a personagem façam o trabalho sem que precisem discursar – e o único momento no qual se entregam claramente a isso (“Não preciso de sua aprovação”) é perfeito por surgir orgânico e dramaticamente eficiente. Para completar, a trama envolvendo a demonização de uma determinada raça alienígena pode ser interpretada como um comentário discreto, também sem pregação, sobre o imperialismo e o intervencionismo presentes na política internacional de determinadas nações (cof-cof), que frequentemente se esforçam para pintar seus alvos com cores pavorosas a fim de justificar suas ações bélicas.
Parafraseando o personagem de uma outra franquia estrelada por super-heróis, Capitã Marvel, mesmo falho, pode não ser o filme que seu público-alvo merecia, mas é certamente um que este precisava. Aliás, que todos precisávamos e que, espero, se tornará cada vez mais comum.
Observação: há duas cenas adicionais durante e depois os créditos finais.
11 de Março de 2019
Assista também ao videocast sem spoilers sobre o filme: