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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/12/2022 18/11/2022 4 / 5 3 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
107 minuto(s)

O Menu
The Menu

Dirigido por Mark Mylod. Roteiro de Seth Reiss e Will Tracy. Com: Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, Hong Chau, Janet McTeer, Paul Adelstein, Aimee Carrero, Reed Birney, Judith Light, Rob Yang, Rebecca Koon, Arturo Castro, Mark St. Cyr, Peter Grosz, Christina Brucato, Matthew Cornwell, Adam Aalderks e John Leguizamo.

O que vamos comer, um Rolex?”, pergunta a jovem Margot ao descobrir que o restaurante que visitará a convite do esnobe Tyler cobra 1.250 dólares por pessoa – uma reação de espanto que também experimentei ao constatar que o Hawthorne, estabelecimento ficcional no qual se passa O Menu, é até barato quando comparado a um certo Sublimotion, localizado na ilha de Ibiza, que exige cerca de 2.400 dólares pela refeição que oferece. Aliás, não apenas pela comida, mas pela experiência, como afirma outro personagem ao lembrar de algo que lhe foi dito pelo pai (e que este tipo de pensamento seja algo de família é algo que refletirá o tema do filme, como discutirei mais abaixo).


Claro que muito desta “experiência” se origina mais de aspectos teatrais do que culinários, sendo resultado de descrições extravagantes para os itens de seu cardápio: um vinho, por exemplo, é produzido não a partir de uma safra específica, mas de uma única fileira de videiras – e a bebida resultante é servida enquanto o sommelier explica que “nós o superdecantamos num blender de imersão para despertá-lo de seu sono”. Por mim, por esse preço poderiam tê-lo deixado dormindo.

Escrito por Seth Reiss e Will Tracy, o roteiro tem início quando 11 pessoas são levadas de barco até a pequena ilha na qual funciona o Hawthorne, cujo chef é o excêntrico e celebrado Slowik (Fiennes). Assessorado por uma equipe que também reside na ínsula em alojamentos que remetem mais a instalações militares – ou de um culto – do que a um espaço destinado aos funcionários de um restaurante de luxo, o chef Slowik introduz cada prato com um monólogo sobre sua concepção enquanto seus clientes se congratulam por poderem pagar valores absurdos por porções ridículas de alimento. Entre estes, por sinal, se encontram, além de Margot (Taylor-Joy) e Tyler (Hoult), um astro decadente do Cinema e sua assistente (Leguizamo e Carrero), uma crítica culinária e seu editor (McTeer e Adelstein), um casal de bilionários (Birney e Light) e três executivos de um banco de investimentos (Yang, Castro e St. Cyr) – um grupo que talvez não tenha sido formado aleatoriamente.

Como é fácil imaginar, a plausibilidade da narrativa se deve, em grande parte, ao quão convincentes são os pratos servidos, o que me leva, pela primeira vez em 28 anos de carreira, a dar créditos a uma consultora responsável exclusivamente por criar um cardápio ficcional: a chef francesa Dominique Crenn (cujo restaurante em San Francisco pode cobrar até 500 dólares por uma refeição, diga-se de passagem). Remetendo a pequenas esculturas feitas de carnes, vegetais, cremes e espuma, os pratos são, de fato, belos em sua apresentação, tendo seus ingredientes básicos listados na tela – e seus nomes frequentemente fazem alusões não só à sua aparência, mas ao que representam (e há um batizado como “Insanidade Masculina” que… bom… jamais achei que escreveria isso, mas não quero dar spoilers do cardápio).

Igualmente sugestivo é o visual do próprio estabelecimento, que o designer de produção Ethan Tobman idealiza como uma construção cinzenta e cheia de ângulos duros que podem até parecer elegantes, mas em nada refletem a vida e a criatividade que o chef Slowik enxerga em suas criações – o que já nos diz muito sobre seu estado de espírito e seus questionamentos existenciais. Enquanto isso, as vidraças que constituem uma das paredes do salão permitem que o desenvolvimento da narrativa (em tom e tempo) seja espelhado pelo escurecimento gradual do exterior, quando o mar aberto vai sendo substituído pela mais absoluta escuridão (e o verde e o preto das paredes do banheiro, somados ao gradeado da porta que sugere uma prisão, completam a aparência opressiva do lugar).

Demonstrando um controle formidável da mudança gradual da atmosfera da narrativa, o diretor Mark Mylod planta sementes de estranhamento desde o momento em que os personagens chegam à ilha, empregando, no processo, a ótima performance de Hong Chau como a dedicada maître do Hawthorne: modulando sua afabilidade para que esta vá da competência ao ameaçador, a atriz consegue evocar de modo crescente a dedicação absoluta de Elsa ao chef, levando o espectador a aceitar a lealdade inspirada por este como fato inquestionável. Enquanto isso, Ralph Fiennes compõe Slowik como um homem cujo orgulho por seu trabalho mal esconde a tristeza em seu olhar – um sentimento resultante da compreensão de ter sido ferido pelo próprio sucesso, já que agora só pode apresentar sua arte a um público mais interessado em exibi-la como símbolo de status do que em apreciá-la. Para Slowik, sua condição há muito deixou de ser a de um artista e passou a ser de um prisioneiro, o que não o impede de continuar a desempenhar sua função com total perfeccionismo.

Já o papel de Anya Taylor-Joy, como Margot, é de certo modo o de representar o espectador em seu estranhamento diante daquele universo. Obviamente estranha à vida de luxo e ostentação dos demais clientes, ela oscila entre a incredulidade divertida e a pura repulsa, convertendo-se na única personagem cujo destino importa ao público. E se Nicholas Hoult projeta bem o fascínio (mais: a adoração) de Tyler pela “alta” gastronomia em geral e pelo chef Slowik em particular, tornando-se patético no processo, John Leguizamo encarna o Ator como um homem que resiste em aceitar sua nova condição de ex-astro. Aliás, os demais integrantes do elenco são eficientes nos tipos que interpretam, abraçando estereótipos quando necessário (os três investidores chegam a brindar “ao dinheiro”) por compreenderem que o grande número de personagens impediria uma exploração mais cuidadosa de cada indivíduo – o que inclui a crítica interpretada por Janet McTeer, cujo pedantismo expõe uma profissional que se preocupa mais em buscar problemas no que experimenta do que em tentar apreciar de verdade o objeto de sua análise.

E aí reside um dos temas do filme, que contrapõe a paixão criativa autêntica à incapacidade de muitos em valorizá-la, já que a obsessão por compartilhar cada experiência com o mundo através de redes sociais substitui aos poucos o prazer de vivê-las (pensem nas milhares de pessoas que vão ao Louvre e, diante da Mona Lisa, optam por vê-la através da tela do celular enquanto fotografam a pintura mais conhecida do mundo em vez de absorverem o fato de que a poucos metros está a tela tocada por Leonardo da Vinci). Do mesmo modo, O Menu discute a situação do artista que sente ter perdido seu propósito ao abandonar sua pulsão criativa a fim de atender aos algoritmos e à lógica do mercado – e não é à toa que, ao preparar um prato mais simples, sem ostentação, o chef consegue resgatar parte do amor pelo que faz (algo que o compositor Colin Stetson ressalta ao incluir um tema que remete à música sacra, como se aquilo se tratasse de uma experiência religiosa).

Dito isso, se há uma tese central em O Menu, esta se relaciona ao desprezo absoluto dos realizadores pela “elite” econômica, não sendo coincidência que Mark Mylod tenha dirigido também vários episódios da excepcional Succession (eu consigo ver qualquer membro da família Roy visitando o Hawthorne). A beligerância de Slowik, assim, é direcionada a uma classe social movida pelo egoísmo, pela megalomania e pelo puro narcisismo – e quando ele pergunta à assistente do Ator se esta tem dívidas estudantis, o que está querendo saber de fato é a condição financeira da qual origina, o que dita como a julgará mesmo que trabalhe como assistente de uma celebridade.

Esta visão crítica, de ojeriza aos donos do capital, é algo que o Cinema, como a Arte politicamente dinâmica que é, reflete com frequência cada vez maior em uma realidade na qual as desigualdades econômicas se tornam mais e mais gritantes (como atestam produções recentes como Glass Onion, Triângulo da Tristeza, Parasita, Coringa, O Poço, O Bom Patrão, Desculpe te Incomodar, entre vários outros – e percebam que nem mencionei os filmes de Ken Loach e Stéphane Brizé).

O que não me impede de reconhecer que a melhor causa de desprezo por parte do chef Slowik é aquela que diz respeito ao ator vivido por Leguizamo.

Ok, talvez não a melhor, mas ainda assim uma pela qual tenho completa compreensão.

18 de Janeiro de 2023

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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