Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
10/07/2025 | 08/07/2025 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Warner | |||
Duração do filme | |||
129 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por James Gunn. Com: David Corenswet, Rachel Brosnahan, Nicholas Hoult, Skyler Gisondo, Mikaela Hoover, Wendell Pierce, María Gabriela de Faría, Nathan Fillion, Isabela Merced, Edi Gathegi, Sara Sampaio, James Hiroyuki Liao, Frank Grillo, Zlatko Buric, Pruitt Taylor Vince, Neva Howell, Beck Bennett, Michael Ian Black, Dinesh Thyagarajan, Anthony Carrigan, Angela Sarafyan, Alan Tudyk e Bradley Cooper.
“Excessivamente woke” – esta é a definição do novo Superman segundo determinado segmento da comunidade de fãs do herói, que viu na versão concebida por James Gunn uma propaganda ideológica repulsiva e que jamais deveria fazer parte de uma produção estrelada pelo personagem. Mas… o que seria “woke” para estes indivíduos? O fato de Kal-El ser visto como um imigrante atacado por suas origens? Sua obsessão em ver todas as vidas como dignas de preocupação e proteção, incluindo as dos menores animais? Ou seria sua insistência em afirmar que impediu uma nação altamente militarizada de invadir um território vizinho e colocar em prática um genocídio porque “pessoas iam morrer!” em vez de simplesmente aceitar o massacre de crianças como uma realidade inevitável, um preço aceitável diante de [inserir todo tipo de esforço de racionalização imaginável]?
É irônico como, ao longo dos quase 90 anos desde sua criação por Jerry Siegel e Joel Shuster, Super-Homem passou a ser frequentemente descrito pelos estadunidenses como sendo um “all-American boy” – uma expressão usada para definir alguém que possua aquelas características que definiriam um jovem norte-americano “ideal”: bonito, atlético, íntegro e, claro, patriota; a ironia, no caso, sendo resultado de uma autopercepção cega por parte de um país que desde sua origem é marcado por genocídios, exploração de minorias e guerras enquanto condiciona sua população a assumir uma visão inabalável de superioridade (moral, inclusive) diante do resto do mundo. Não é à toa que, ao escrever sobre Superman – O Filme, expressei incômodo com a determinação do super-herói de defender o “ideal americano”, buscando imaginar como isto se manifestaria em um momento no qual o governo Bush afirmava o propósito de “espalhar democracia” pelo Oriente Médio (o texto foi publicado em 2006, às vésperas do lançamento de Superman – O Retorno).
Pois parece que, quase 20 anos depois, o próprio kriptoniano se deu conta das implicações disso, já que, aqui, ele interfere em um conflito regional para impedir que um país aliado dos Estados Unidos invada o vizinho, historicamente visto como oponente das doutrinas norte-americanas, apontando como a desculpa de que a invasão tinha o propósito de derrubar um governo “tirano” era implausível e que era o invasor que se via governado por um fascista. E mais: ao retratar a população vitimada pela invasão como formada por pessoas de pele escura e habitando uma terra devastada que mais parece um campo de refugiados, Superman descarta qualquer possibilidade de que esteja comentando a invasão da Ucrânia pela Rússia (mesmo porque desde o período da Guerra Fria esta jamais foi considerada aliada dos Estados Unidos) e deixa evidente como, ao menos aqui, a Palestina encontra alguma proteção contra o terrorismo israelense. Para Kal-El (Corenswet), a ideia de ver crianças sendo assassinadas é impensável (é significativo como James Gunn destaca a súplica de meninos e meninas no meio da multidão) – e a inação, ao seu ver, seria tão condenável quanto o apoio ativo aos genocidas.
Enquanto isso, o contrário pode ser dito sobre Lex Luthor (Hoult), um tech-bro cujos bilhões de dólares e inúmeros contratos governamentais – incluindo militares – não são o suficiente para eliminar sua insegurança e sua frustração por não ser querido por todos. Empregando um verdadeiro exército de primatas para dominar a narrativa nas redes sociais (se ele é dono ou não de alguma plataforma é algo que podemos apenas presumir), Luthor também mantém uma prisão particular em um território fora dos Estados Unidos e na qual detém não apenas desafetos pessoais, mas inimigos políticos de seus aliados, transformando-se assim num avatar não só de Elon Musk, mas também de Nayib Bukele e do próprio Donald Trump, não sendo acaso que planeje assumir o controle de parte das terras invadidas por Isr… pela Borávia, remetendo à fala do presidente norte-americano sobre dividir Gaza com Netanyahu a fim de construir um “resort” na região. Como se não bastasse, ouvir Luthor manifestar pavor diante da propagação dos genes “alienígenas” (lembrando que, em inglês, aliens também significa estrangeiro e imigrantes) é algo que remete diretamente ao supremacismo branco, sendo igualmente sintomático que, em certo momento, ele descreva seu inimigo como “marciano” em vez de “kritponiano”, cometendo o mesmo tipo de racismo que apelida qualquer mexicano de “Pedro” e insiste que todos os asiáticos são iguais.
Longe de ser a criatura invulnerável com a qual nos acostumamos em praticamente todos os filmes anteriores – e que só podia ser enfraquecida diante de kriptonita -, o Superman de 2025 já abre a narrativa exibindo fragilidade e trazendo no corpo as marcas de uma surra possibilitada por (sejamos honestos) gamers glorificados; afinal, já não vivemos em um mundo no qual bondade, empatia e altruísmo saem impunes. Gentil a ponto de fazer questão de agradecer máquinas por seus serviços, mesmo sabendo que estas são incapazes de reconhecer gratidão ou cordialidade, o protagonista deste longa é um indivíduo que se preocupa não apenas com seu adorável cãozinho, mas mesmo com o imenso monstro que ataca Metropolis, enxergando valor e possibilidade de redenção até nos oponentes mais agressivos e irracionais – um otimismo que abandonei no início dos anos 2010, mas que sigo admirando naqueles ainda capazes de preservá-lo.
No entanto, o valor de uma pessoa é também definido pelo daqueles que a cercam – e, neste sentido, Clark Kent se encontra em ótima companhia: interpretada por Rachel Brosnahan como uma jornalista cuja competência é igualada apenas por seu senso ético, Lois Lane não hesita em questionar Superman sobre suas posições – menos por discordar de suas atitudes e mais por acreditar que este deve compreender ao máximo as consequências de suas ações. Leal sem abandonar o senso crítico, Lois extrai o melhor de seus colegas de trabalho, desafiando-os sem se posicionar como superior e fazendo questão de reconhecer suas contribuições. Madura e experiente (é bom lembrar como a juventude de Kate Bosworth fragilizava a personagem em O Retorno), a Lois de Brosnahan é racional demais para se encantar pelo ideal representado por Superman – e é apenas ao reconhecer a humanidade e a falibilidade de Clark Kent que ela se vê tocada de fato.
E se o Jimmy Olsen de Skyler Gisondo tem a oportunidade de ser mais do que um mero alívio cômico, comprovando seu valor como profissional, mais surpreendente é constatar como a Eve Teschmacher vivida pela portuguesa Sara Sampaio revela uma complexidade insuspeita em vez de se estabelecer apenas como um estereótipo de influencer ou como uma cúmplice descerebrada de Lex Luthor. Enquanto isso, o vilão, cuja megalomania sempre cumpre a dupla função de ressaltar sua natureza ameaçadora e de soar como elemento cômico, ganha em Nicholas Hoult um intérprete que enterra de vez as versões de Kevin Spacey e Jesse Eisenberg ao trazer páthos a uma figura cujo visual há muito se consagrou como caricatura da vilania. Mesquinho a ponto de extravasar a própria frustração ao derrubar objetos apenas para humilhar seus funcionários (o que também funciona como gag), Luthor sabe como às vezes hashtags são armas mais eficazes que kriptonita, compreendendo também como a forma mais fácil de legitimar seus crimes reside em oficializá-los como contratos governamentais firmados com líderes fascistas e defendê-los com a ajuda da mídia corporativa.
O que, aqui, não parece incluir o Daily Planet, que é retratado como um veículo editado por um Perry White (Pierce) que discute cada matéria com seus jornalistas, sempre verificando a solidez de suas informações, e produzido por profissionais que exibem prazer em questionar fontes, investigar documentos e buscar a verdade em vez de servirem como meros megafones de seus patrões bilionários. Não é à toa que Clark Kent se sente à vontade neste meio: dono de princípios forjados pela compreensão de que não há nada mais importante do que servir à humanidade e agir com bondade e generosidade, ele é um herói não por possuir superpoderes, mas por ser capaz de sentir dor genuína diante da morte de um quase estranho. Sim, há certa ingenuidade em sua determinação de ver o melhor nas pessoas, mas esta é acompanhada de uma convicção importante com relação ao que sabe ser o certo – uma percepção que quase todos temos na infância (não há criança que nasça homofóbica, transfóbica, xenofóbica, sexista ou racista) e que muitos perdem graças às influências corruptoras de adultos que permitiram que a própria humanidade fosse corroída por suas prioridades distorcidas.
Distorções que os levam à posição paradoxal de, mesmo compreendendo que Lex Luthor é o vilão destas histórias, ainda assim admirarem figuras que são essencialmente versões do sujeito na vida real - enquanto classificam pejorativamente de woke os valores daquele que supostamente reconhecem como herói.
Observação: há uma cena adicional depois dos créditos finais.
Observação 2: o cãozinho Krypto só não rouba o filme porque este já lhe pertence a partir do momento em que surge na tela.
11 de Julho de 2025
(Leia também os textos sobre Superman – O Filme, Superman II – A Aventura Continua, Superman – O Retorno, O Homem de Aço, Batman vs Superman: A Origem da Justiça, Liga da Justiça e Liga da Justiça de Zack Snyder.)
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