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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/08/2024 16/08/2024 4 / 5 3 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
119 minuto(s)

Alien: Romulus
Alien: Romulus

Dirigido por Fede Alvarez. Roteiro de Fede Alvarez e Rodo Sayagues. Com: Cailee Spaeny, David Johsson, Archie Renaux, Isabela Merced, Spike Fearn e Aileen Wu.

Não há quem negue as imensas virtudes de Alien, o Oitavo Passageiro e Aliens – O Resgate, os dois primeiros longas da série inaugurada em 1979 por Ridley Scott a partir do roteiro de Dan O´Bannon e dos personagens criados por este ao lado de Ronald Shusett: o horror, a claustrofobia e a sensação de catástrofe iminente – ancorados pela performance intensa de Sigourney Weaver e o design das criaturas formulado por H.R. Giger – são marcas que desde então passamos a esperar em qualquer projeto apresentado através das linhas brancas que aos poucos formam o título da franquia. Infelizmente, esta espera geralmente resultou em frustração: Alien 3 foi derrubado pelo fraco roteiro e pela produção caótica, Alien: A Ressurreição (do qual gostei à época do lançamento, mas ainda não revisitei*) foi forçado a lidar com a decisão tomada pelo predecessor de matar a heroína e as duas prequels comandadas por Scott se preocuparam mais em preencher lacunas que jamais importaram do que em investir em uma narrativa minimamente coesa (e nem vou perder tempo com os dois Alien vs. Predador). Assim, que o uruguaio Fede Alvarez tenha conseguido resgatar muitas das virtudes daqueles dois primeiros filmes, ainda que não chegando perto de igualá-las, é uma ótima notícia que nem os tolos momentos de fan service conseguem estragar – embora uma outra decisão que discutirei no apêndice deste texto seja mais difícil de aceitar.


Escrito por Alvarez ao lado de seu colaborador habitual Rodo Sayagues, Alien: Romulus conta uma história ambientada entre os dois primeiros longas, iniciando com os destroços da Nostromo flutuando pelo espaço enquanto uma tripulação que não conhecemos investiga as proximidades até encontrar a criatura expelida da nave auxiliar por Ripley ao final de O Oitavo Passageiro, cometendo o equívoco de trazê-la para bordo. A partir daí, somos levados a uma colônia povoada por trabalhadores da Weyland-Yutani e conhecemos Rain (Spaeny), uma jovem que nasceu ali e cujos pais morreram em função de doenças provocadas pelo trabalho de mineração – e sua principal companhia é o sintético Andy (Jonsson), que foi reprogramado por seu pai com a diretriz de fazer sempre o que fosse melhor para a órfã. Aliviada por acreditar estar ao fim de seu contrato com a corporação, o que lhe permitirá deixar a colônia, Rain é surpreendida pela informação de que o acordo foi prorrogado unilateralmente e que ali deverá permanecer por mais alguns anos. É então que seu ex-namorado Tyler (Renaux) revela a existência de uma antiga nave desativada na órbita do planeta e que, contendo câmaras criogênicas, permitirá a fuga de um grupo que conta ainda com a irmã do rapaz, Kay (Merced), seu primo Bjorn (Fearn) e a namorada deste, Navarro (Wu). O que os jovens não sabem é que a tal nave, dividida em estações batizadas de Rômulo e Remo, tem em sua carga o outro componente do título da produção.

Recuperando do original um dos elementos temáticos que mais o enriqueciam – a exploração da equipe da Nostromo pela corporação que os empregava -, Romulus estabelece o planeta-colônia como um pesadelo industrial que, entre a mineração e o processamento do material, força seus habitantes-funcionários a uma existência escura, exaustiva e ameaçada por doenças constantes. Envolto por nuvens densas que nunca permitiram a Rain ver a luz do sol, o planeta é tomado por poeira, fumaça e labaredas espalhadas pelo terreno enquanto os humanos ocupam residências minúsculas que ainda representam um luxo se comparadas aos trailers (autênticas caixas de metal) que abrigam outros ainda mais desafortunados. Concebida pelo diretor de arte Naaman Marshall como uma versão do inferno (reparem como, vista do espaço, ela parece projetar chamas através das frestas das nuvens), a colônia é tão precária que os mineradores ainda precisam recorrer a canários em gaiolas para se certificarem de que o ar dentro das minas é respirável.

Aliás, Marshall demonstra uma preocupação essencial em retratar fisicamente aquele universo seguindo a mesma lógica estabelecida no original: se as ficções científicas contemporâneas conceberiam a tecnologia do filme com interfaces dependentes de telas sensíveis ao toque e transmissão de dados em alta velocidade, Romulus traz equipamentos com enormes botões luminosos e sistemas que carregam as fotos dos usuários com uma lentidão que remete aos modens do início da Internet. Da mesma maneira, naves, ferramentas e armas exibem superfícies sujas, velhas e irregulares, o que é ressaltado pelo desenho de som, que acompanha os movimentos de portas e alavancas com ruídos de metal enferrujado. Com isso, a continuidade entre os filmes se mantém visualmente coesa, o que não impede que os realizadores introduzam novos e interessantes conceitos – como, por exemplo, o da gravidade intermitente no interior das duas estações espaciais.

E já que mencionei o desenho de som, é admirável como a obra emprega o silêncio em momentos-chave da narrativa, respeitando a física (quando vemos a ação a partir do exterior das naves, nada ouvimos) ao mesmo tempo em que o suspense é ressaltado pelo contraste com os estrondos e gritos que dominam o restante da projeção. Além disso, Alvarez e o diretor de fotografia Galo Olivares aprenderam com os originais que há muitos instantes nos quais o horror é salientado pelo que não vemos, mergulhando partes dos cenários em sombras pesadas ou usando uma profundidade de campo reduzida para que percebamos de relance movimentos ao fundo do campo, como corpos sendo arrastados ou criaturas que se aproximam de suas vitimas. Já em outras passagens, a estratégia oposta é utilizada para frisar a magnitude da ameaça, quando então vemos dezenas de facehuggers digitais perseguindo os heróis pelos corredores. Para completar, o cineasta ainda consegue trazer ideias novas à franquia, como (serei o mais vago possível) a pavorosa imagem do raio-x e a sequência envolvendo gravidade zero – e mesmo conceitos já batidos (como o da contagem regressiva) ganham contornos instigantes graças a elementos inspirados (como o belo anel de asteroides).

Nem todas as decisões narrativas de Alien: Romulus são felizes, porém: se por um lado Alvarez não perde tempo em conduzir os heróis até a estação-título, imprimindo um ritmo enérgico ao filme, por outro isso o impede de desenvolver os personagens com mais cuidado – e com exceção de Rain e Andy, os demais integrantes do grupo são unidimensionais, impedindo que o espectador se importe de fato com seus destinos (comparem, por exemplo, como cada membro da tripulação da Nostromo tinha personalidade definida e lembrem, também, como em Aliens, O Resgate James Cameron produziu momentos de heroísmo não só para a valente soldado Vasquez, mas até para o incompetente tenente Gorman). Por outro lado, a Rain de Cailee Spaeny (já tão notável em Priscilla e Guerra Civil) se estabelece como uma heroína carismática cuja vulnerabilidade apenas acentua sua valentia, sendo formidável como vai assumindo um papel cada vez mais ativo na narrativa à medida que a situação se complica, permitindo também que seu apego ao sintético Andy seja percebido e compreendido de forma tocante. Enquanto isso, David Jonsson (que conheci através da excelente série britânica Industry) não desperdiça um papel repleto de possibilidades, já que a postura, o comportamento e as motivações de Andy representam um dos aspectos mais intrigantes da obra – e é fascinante como o ator ajusta o sintético ao longo da projeção sem perder a essência do personagem em momento algum.

Seguindo a tradição da série de introduzir sequências de ação derradeiras que às vezes soam quase como um (bem-vindo) epílogo extra, Romulus aqui aposta em um território relativamente novo que talvez desagrade parte do público, mas que funciona em seu propósito de criar terror, suspense e sustos-bônus, sendo decepcionante apenas que Alvarez não tenha coragem de levar até os limites a ideia que começou a apresentar.

Abandonando as pretensões filosófico-existencialistas juvenis de Prometheus e Covenant e investindo em um horror basal eficaz (sem descartar seu subtexto político-social), este novo capítulo da série Alien é aquele que esperávamos há quase um quarto de século.

Apesar do problema que discutirei a seguir.

 

Alien: A Ressurreição (ou um tipo de)

Este breve adendo contém spoilers sobre Romulus e A Ressurreição!

Romulus não é o primeiro filme a trazer alguém de volta à vida (ou “vida”) com propósitos narrativos: Forrest Gump ressuscitou John Lennon, Nixon e Kennedy, Gladiador criou partes da performance de Oliver Reed, Capitão Sky e o Mundo de Amanhã empregou Laurence Oliver como vilão, Rogue One recriou a imagem de Peter Cushing, Superman - O Retorno tinha Marlon Brando de volta como Jor-El, Velozes & Furiosos 7 se recusou a aceitar a morte de Paul Walker durante as filmagens, A Ascensão Skywalker tratou a despedida precoce de Carrie Fisher como mero contratempo, Ghostbusters: Mais Além converteu Harold Ramis em um fantasma e, claro, The Flash cuspiu na memória de Christopher Reeve. Ainda assim, de certo modo o que Fede Alvarez faz neste novo capítulo da série Alien é ainda menos compreensível – mesmo que exerça certa fascinação mórbida sobre o espectador.

Tratado como o principal antagonista de Romulus, o androide Rook é um tripulante da estação espacial do título que o grupo de heróis encontra destruído em um de seus laboratórios. Despertado com o objetivo de oferecer informações sobre o que aconteceu ali, ele esconde os verdadeiros propósitos de sua missão e emprega o igualmente sintético Andy para finalizá-la sem o conhecimento dos demais, demonstrando completo descaso para com o destino dos humanos. Isto não é exatamente uma surpresa, considerando o papel que estas máquinas já desempenharam em outros capítulos da franquia; ao longo de continuações e prequels, Alien praticamente nos condicionou a enxergar os androides com desconfiança.

Mas por que Rook tem o mesmo rosto de Ash, o sintético interpretado por Ian Holm em O Oitavo Passageiro?

Não pergunto, é evidente, de um ponto de vista ficcional: é razoável crer que no universo da série haja modelos específicos de androides que, frutos de uma linha de produção, tenham a mesma aparência – afinal, Michael Fassbender encarnou (ok, este não é o melhor verbo nesta situação) David e Walter em Prometheus e Covenant. No entanto, discutindo como elemento de produção, qual a necessidade de recriar a aparência de Ian Holm, creditando o falecido ator como “referências faciais e vocais” e atribuindo a Daniel Betts as “performances faciais e vocais”? Por que não empregar Lance Henriksen, que viveu Bishop em O Resgate e Aliens 3 ou mesmo Fassbender? (A sintética de Winona Ryder em A Ressurreição poderia ser um conceito mais complicado, já que aquele longa se passa dois séculos depois dos acontecimentos vistos em Romulus.) Henriksen, por exemplo, poderia oferecer suas próprias “performances faciais e vocais”, evitando o óbvio problema ético envolvido na utilização de Holm, que morreu há quatro anos, além de ser uma escolha mais adequada considerando o nome do novo personagem (Bishop/Bispo e Rook/Torre).

Aliás, por que Rook não poderia ter um rosto novo?

A resposta é simples e óbvia: fan service. O único propósito aqui é o de levar o público a experimentar a nostalgia de rever Ash – e só. Dramaticamente, a escolha é insignificante, podendo até mesmo representar uma distração prejudicial ao filme, já que somos forçados a sair da narrativa sempre que o personagem surge em cena graças à impossibilidade de ignorarmos a trucagem técnica utilizada. Em contrapartida, moral e eticamente a decisão é no mínimo dúbia, aproveitando a ganância dos herdeiros de Holm para criar uma composição artística que não é a do ator, mas que se somará inevitavelmente ao seu legado. (Não, não sou ingênuo a ponto de crer que a família tenha aceitado a proposta por vê-la como “homenagem”.)

É possível incluir referências que atendam às demandas nostálgicas dos fãs sem que isto corrompa o projeto: o plano em que vemos Rain encurralada por uma criatura e virando o rosto na direção da câmera com expressão de pânico é uma referência visual óbvia à passagem na enfermaria de Alien 3, a frase “Get away from her, you bitch!” brinca com um instante icônico de O Resgate e o esforço da protagonista para entrar em um traje espacial enquanto veste pouca roupa (já que estava prestes a se submeter à criogenia) remete aos minutos finais de O Oitavo Passageiro – e nada disso exige que o espectador saia do filme para pensar sobre as dificuldades técnicas da execução.

Infelizmente, desconfio de que esta é uma discussão que ainda ocorrerá muitas vezes no futuro próximo. E não tenho qualquer ilusão de que este debate impeça o inevitável: mais e mais zumbis digitais surgindo nas telas.

17 de Agosto de 2024

Pouco depois de publicar este texto, revi A Ressurreição. Na realidade, assisti à edição especial produzida para o lançamento da quadrilogia em DVD e que conta com sete minutos adicionais - e mantenho a defesa feita em minha crítica escrita em 1998 apesar da péssima qualidade daquele texto, que chega a ser embaraçoso. Aliás, o tom do longa, a (re)construção da personalidade de Ripley e as sequências de ação me impressionaram ainda mais, destacando-se também a conversa estendida entre as personagens de Sigourney Weaver e Winona Ryder sobre as lembranças da protagonista e o idealismo da androide.

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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