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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
08/10/2004 21/04/2004 2 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
146 minuto(s)

Chamas da Vingança
Man on Fire

Dirigido por Tony Scott. Com: Denzel Washington, Dakota Fanning, Marc Anthony, Radha Mitchell, Christopher Walken, Giancarlo Giannini, Rachel Ticotin, Jesús Ochoa, Gero Camilo, Charles Paraventi, Mickey Rourke.

Assim que Chamas da Vingança chega ao fim, a seguinte frase surge na tela: `Um obrigado especial à Cidade do México: um lugar muito especial`. Considerando-se que, nos 145 minutos anteriores, o filme se dedicou a retratar a capital mexicana como um lugar dominado pela violência, pobreza e corrupção, fica difícil interpretar exatamente o que os produtores queriam dizer com este agradecimento. Honestamente, só posso concluir que trata-se de uma ironia cruel por parte dos ricaços de Hollywood, que devem ter rido a valer com a `brincadeira` (que, como se não bastasse, ainda pode funcionar como jogada política para evitar algum processo por parte do governo daquele país).


Dirigido por Tony Scott, Chamas da Vingança conta a história de Creasy (Washington), um ex-agente da CIA que, torturado pelas lembranças de seus atos passados, tornou-se alcoólatra e decidiu sair dos Estados Unidos. Visitando um antigo colega no México, ele recebe uma proposta para se tornar guarda-costas da pequena Pita (Fanning), filha de um poderoso empresário mexicano e de uma americana – um trabalho nada fácil em um país no qual, de acordo com o próprio filme, ocorre um seqüestro a cada 60 minutos. Inicialmente relutante em aceitar a tarefa, Creasy acaba se apegando à garotinha – e, quando uma tragédia se abate sobre a família, o sujeito resolve se vingar de todos os responsáveis, diretos e indiretos, pelo que ocorreu (em seu caminho, ele encontra dois personagens vividos por atores brasileiros, Gero Camilo e Charles Paraventi, ambos de Cidade de Deus).

Um dos (poucos) pontos fortes do longa reside no desenvolvimento da amizade entre Creasy e Pita: talentosa e dona de um lindo sorriso, a pequena Dakota Fanning (Uma Lição de Amor; Doce Lar) consegue retratar Pita como uma garota precoce sem, com isso, transformá-la em uma daquelas crianças `adultas` que só existem nos filmes. Aliás, a espontaneidade de Pita é precisamente o que poderíamos esperar de uma menina daquela idade, já que, com sua inocência característica, ela não hesita em fazer perguntas difíceis para seu novo amigo, como ao questionar se Creasy é feliz e qual a origem das cicatrizes que este tem nas mãos. Assim, é fácil compreender a crescente afeição do sujeito por ela – algo que se tornará fundamental a partir da segunda metade da projeção.

Denzel Washington, por sua vez, impede que as transições no comportamento de Creasy se tornem artificiais – e, quando o personagem parte para a vingança, o ator não hesita em mostrá-lo como um homem impiedoso e extremamente perigoso (quando alguém sugere que ele `perdoe` seus inimigos, o sujeito responde: `O perdão é algo entre eles e Deus. Minha função é marcar o encontro`). O ódio de Creasy é tamanho que, em certo momento, ao confrontar uma de suas vítimas, ele aparece ofegante, como se mal pudesse conter o ímpeto de partir para o ataque (uma escolha brilhantemente sutil de Washington). Fechando o elenco principal vem o onipresente Christopher Walken, que, mais contido (e bem melhor) do que em Bem-vindo à Selva, é responsável pelo melhor diálogo do filme: ao explicar o que o amigo está prestes a fazer, ele diz: `A arte de Creasy é a morte. E ele está prestes a pintar sua obra-prima`.

Infelizmente, as qualidades de Chamas da Vingança param por aí: se a direção histérica de Tony Scott (irmão de Ridley) funcionou bem em Jogo de Espiões, conferindo energia à trama, aqui ela simplesmente destrói qualquer possibilidade do espectador se envolver com o drama dos personagens, já que mal podemos enxergá-los. Incapaz de criar um plano que dure mais do que alguns segundos, Scott `superdirige` o filme, apelando para zooms violentos, jump-cuts, rack-focuses, whip-pans e, é claro, para velocidades diferentes de exposição (além da dispensável fotografia granulada). Por outro lado, o recurso de usar legendas em fontes e tamanhos diferentes para frisar algumas palavras ditas pelos personagens revela-se interessante.

Outro que falha é Brian Helgeland (Sobre Meninos e Lobos), cujo roteiro, baseado em livro de A.J. Quinnell, é repleto de reviravoltas absurdamente previsíveis. Para piorar, Helgeland se acovarda no terceiro ato da história e inclui uma `revelação` que praticamente desfere um tiro de misericórdia na nuca do filme, destruindo a lógica da trama e comprometendo o envolvimento do espectador (isto é, caso este ainda continuasse interessado na produção, que, longa em excesso, perde o ritmo depois dos primeiros 90 minutos).

Mas o maior problema de Chamas da Vingança é moral, e não narrativo. Nos últimos tempos, Hollywood produziu uma série de projetos cujos heróis (ou anti-heróis) estão em busca de vingança: Kill Bill, 21 Gramas, Irmão Urso, O Vingador, O Justiceiro, Com as Próprias Mãos e Sobre Meninos e Lobos, entre outros. A princípio, poderíamos imaginar que se trata de uma coincidência, mas esta seria uma análise superficial, leviana. O fato é que a mentalidade de boa parte dos americanos, instigada pela `cruzada espiritual` liderada pelo genocida George W. Bush desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, está em plena sintonia com o conceito de `castigar os bandidos` – e é apenas natural que isto provoque reflexos no Cinema. No entanto, em nenhum dos filmes acima a retórica bélico-eleitoreira de Bush tornou-se tão visível quanto em Chamas da Vingança.

Quer evidências? Pois bem: para início de conversa, Pita, apesar de também ser filha de um homem mexicano, é americana da cabeça aos pés (é loira, tem a pele claríssima e os olhos azuis). Já seus seqüestradores são latinos – e a etnia destes é imediatamente visível; são `Estrangeiros` (leia-se: não-americanos) com `e` maiúsculo. Depois do seqüestro de Pita (atentados terroristas), Creasy (um ex-agente da CIA) decide punir os culpados (exatamente o que Bush vem alegando fazer nos últimos anos). E mais: Creasy lê constantemente a Bíblia, assim como o governo americano insiste em afirmar que `Deus está do lado da América`. Para finalizar, o mais óbvio: para encontrar os culpados, o protagonista de Chamas da Vingança utiliza ligações com oficiais mexicanos para vasculhar contas de telefone e dados bancários dos suspeitos, invadindo a privacidade de quem quer que seja – exatamente o que a vergonhosa Lei Patriótica (Patriot Act) criada pelo governo Bush vem fazendo desde 2001.

De acordo com o `código moral` de Chamas da Vingança, os estrangeiros são criaturas pouco confiáveis e que não merecem proteção da Lei, sejam culpados ou inocentes (e até mesmo os dois `parceiros` mexicanos de Creasy em suas investigações merecem nosso repúdio, já que são corruptos o bastante para invadir dados particulares dos suspeitos sem autorização judicial). Desta forma, o filme de Tony Scott se mostra tão nojento quanto Falcão Negro em Perigo, dirigido por seu irmão.

Talvez os irmãos Scott devessem assistir a algumas aulas de moral e cívica antes de darem início aos seus próximos projetos.
``

12 de Maio de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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